Paixões & Legados
Escrita por Fafá
Faixa das 18h
Cena 1
Ano de 1930
Um tempo nublado com o pôr do Sol atrás das nuvens paira sobre a pequena cidade de Roseiras. O jovem Leonel acompanha Elza, sua noiva, até a porta de sua casa. No portão da mesma, eles param para conversar.
ELZA: Adorei o passeio de hoje, meu amor. Tem certeza de que não quer entrar?
LEONEL: Hoje não, querida. Já está anoitecendo, devo ir para minha casa.
ELZA: Você anda tão distante ultimamente, mal se preocupa com nosso casamento…
LEONEL: Estou trabalhando demais. Afinal de contas, quero que tudo fique perfeito, e que tenhamos uma vida confortável após o casamento.
ELZA: Então, até breve!
Ele a beija na testa e ela entra em sua casa. Leonel fica um pouco pensativo e segue seu rumo. Elza sobe as escadas e vai até seu quarto. Ela pega uma pequena caixa que estava no fundo do guarda-roupas e abre, revelando um revólver dentro dela.
ELZA: É hoje que eu acabo com essa dúvida que me tortura.
Ela enfia a arma em sua bolsa e desce as escadas novamente.
TERÊNCIO: Para onde você vai, minha filha? Sairá desacompanhada a esta hora?
ELZA: É rápido papai, vou visitar uma amiga. Volto num instante.
Ela aperta o passo na direção em que Leonel foi, até que consegue vê-lo a uma certa distância. O moço caminha até a frente da pensão da cidade, onde começa a atirar pequenas pedrinhas em uma janela, até que Lúcia aparece e faz um sinal para ele entrar.
LÚCIA: Que saudades eu tava de ti! Demorou hoje.
LEONEL: Perdão! Eu saí junto com Elza para caminharmos.
LÚCIA: Afinal, quando desmanchará o noivado com ela? Eu não gosto dessa história de você traí-la, se não a ama, desmanche logo.
LEONEL: Eu também não me sinto bem fazendo isso, mas Elza é uma moça complicada, não sei se ela reagiria bem.
LÚCIA: E se ela descobrir sobre nós? Será muito mais impactante, uma desilusão muito maior.
LEONEL: Esta semana, me dê esta semana e eu conversarei com ela. E, logo após, seremos felizes juntos, apenas nós dois, eu e você.
Eles começam a se beijar. Sem que percebam, a porta do pequeno quarto abre vagarosamente atrás deles. De trás dela, surge Elza, com lágrimas nos olhos e a arma em mãos.
ELZA: Eu sabia…
O casal se vira para ela, ambos assustados.
ELZA: Você tinha outra esse tempo todo! Meu Deus! Como sou burra!
LEONEL: Acalme-se Elza! Solte essa arma!
ELZA: Como você pôde? Por quanto tempo você pretendia levar isso? EU TENHO VONTADE DE MATAR VOCÊ!
Ela levanta a arma na direção dele. Alguns hóspedes se aproximam da porta para ver o que está acontecendo.
LEONEL: Elza, não faça isso! Você perderá sua reputação, será presa!
ELZA: Que reputação? A reputação de corna? Você acabou de jogar o meu nome, o seu e o dessa… piranha, na lama!
LEONEL: Elza…
Antes que ele pudesse prosseguir, Elza fecha os seus olhos encharcados por lágrimas e aperta o gatilho. Todos que estavam atrás da moça correm para imobilizá-la. O tiro pega no ombro de Leonel, que cai nos braços de Lúcia.
Horas depois, Leonel está deitado numa cama do precário hospital da cidade, com um curativo em seu ombro, e Lúcia, sentada na cadeira ao seu lado.
LÚCIA: Foi um episódio terrível! Está tudo acabado para nós. A essa altura, todos da cidade já devem saber de tudo.
LEONEL: A culpa é minha, eu não deveria ter estendido essa história por tanto tempo.
LÚCIA: Não adianta se lamentar agora. O que vamos fazer? Nossa reputação está manchada para sempre, todos com seus olhares tortos para cima de nossa pessoa. Como viveremos num lugar assim?
LEONEL: E se fossemos embora daqui? Reconstruir nossas vidas em outro lugar? Não temos nada mais do que vidas medíocres nos esperando aqui. Vamos juntar nossas coisas e ir embora, apenas nós dois.
Lúcia pensa por um tempo e logo após respira fundo.
LÚCIA: Vamos! Vamos encontrar um lugar onde possamos ser felizes.
Terêncio e Elza entram em sua casa.
TERÊNCIO: Onde estava sua cabeça, Elza? Você quase colocou sua vida inteira a perder por esse pé rapado. Eu tive que dar uma bela volta no delegado para ele te soltar.
ELZA: Eu não sei, agi de cabeça quente. Eu só quero esquecer de tudo isso, e espero nunca mais encontrar aqueles dois!
TERÊNCIO: Você poderia ter deixado tudo isso por baixo do pano, mas agora sua reputação está na lama. Prepare-se, pois será difícil arrumar outro noivo agora.
Dois dias se passam. Após diversos olhares tortos e fofocas entre os moradores da pacata cidade, Leonel e Lúcia encontram-se na estação de trem para seguirem suas vidas.
LÚCIA: Finalmente! Vamos partir, e seremos felizes em outro lugar.
O trem chega e eles embarcam.
Terêncio chega em sua casa com um jornal em mãos.
TERÊNCIO: Elza! Todos estão falando que aqueles dois adúlteros deixaram a cidade. Não aguentaram a pressão dos julgamentos merecidos em cima deles.
ELZA: Que bom! Eu também estou pensando em partir, meu pai.
TERÊNCIO: Partir? Tens certeza, minha filha?
ELZA: Acho que está mais que na hora. A única coisa que me prendia nessa cidade era o Leonel. E depois de toda essa história então, não tem mais cabimento eu permanecer aqui. Pensei em utilizar o meu pouco tempo de estudo, lecionar em alguma escola da região. Quero me desprender dessa cidade, mas ainda ficar perto o bastante para ajudar o senhor quando precisar.
TERÊNCIO: Se tu tens plena certeza de que é isso que quer, eu te apoiarei, minha filha.
Após observarem diversas paisagens de campos, fazendas e pequenas cidades interioranas, Lúcia e Leonel encerram sua jornada numa cidade não tão pequena, chamada Jardim das Tulipas. Os dois desembarcam e seguem para uma pequena pousada da cidade, onde alugam um quarto.
LEONEL: Melhoraste da vertigem que teve mais cedo?
LÚCIA: Sim, acho que não é nada grave. Deve ser normal ao andar de trem, principalmente por não estar acostumada.
LEONEL: Mas então se cuide, para vermos se não é nada de tão sério.
No outro dia de manhã, os dois vagam pela cidade em busca de emprego, passando pelos principais comércios e locais. À noite, eles retornam à pousada.
LEONEL: Não consegui nada…
LÚCIA: Também não…
LEONEL: Mas ainda há uma parte da cidade que não procuramos, vamos manter as esperanças.
Mais um dia nasce e eles partem na busca por trabalho, sem sucesso mais uma vez. De volta à pensão, eles conversam novamente.
LEONEL: Vasculhamos praticamente a cidade inteira e não achamos nada.
LÚCIA: E se procurarmos nas fazendas?
LEONEL: Fazendas? E que vida arrumaremos trabalhando para algum coronel em fazendas? De sol a sol num trabalho pesado para no final recebermos uns meros trocados e uma moradia caindo aos pedaços.
LÚCIA: Acha que devemos esperar alguma oportunidade aparecer?
LEONEL: Temos pouco dinheiro, não podemos pagar por tanto tempo numa moradia sem ter retorno de alguma forma, acho que é o caso de seguirmos para outra cidade.
LÚCIA: E gastar mais ainda em passagens de trem? E se na próxima cidade também não acharmos nada? O dinheiro vai ser mais curto ainda.
Leonel respira fundo e bota a mão na cabeça.
LEONEL: Eu vou dar uma volta, pensar um pouco.
Ele pega seu chapéu e sai.
Leonel caminha pelas ruas feitas de paralelepípedo, ele chega até uma pequena venda, onde compra um jornal e começa a ler. Após algumas páginas viradas ele ergue sua cabeça e volta para a pousada.
LEONEL: Eu acho que encontrei a solução.
LÚCIA: E qual seria?
LEONEL: Aquela sua ideia das fazendas, podemos tentar, mas de outra forma. Eu estava lendo este jornal e descobri que há terras à venda!
LÚCIA: Mas quanto custam?
LEONEL: Seria praticamente tudo que temos, será um risco, mas se der certo…
LÚCIA: Então você quer arriscar tudo nessas terras? Você acha que isso dará certo? Leonel, nós não sabemos como cuidar de um sítio, não temos noção de como fazer as coisas, ambos fomos criados em cidades, não é tão fácil quanto parece.
LEONEL: Lúcia, pense melhor, nós podemos aprender a cultivar, a criar animais. Tudo dará certo, temos um ao outro.
LÚCIA: Não vale a pena botar tudo a perder. Vamos dormir, amanhã podemos rodar a cidade novamente. Vamos insistir para que alguém nos ajude.
Lúcia se deita na cama. Leonel, chateado, se deita ao lado dela, mas não fecha os olhos em momento algum, durante a noite inteira. Na madrugada, momentos antes que o Sol começasse a aparecer no horizonte, Leonel se levanta silenciosamente, veste suas roupas, ajeita sua mala e pega uma boa quantia de dinheiro em uma pequena caixinha, deixando apenas algumas notas. Lúcia acorda horas depois e não vê o seu amado no quarto. Ela desce até a recepção.
LÚCIA: Bom dia! A senhora viu o rapaz que me acompanhava?
RECEPCIONISTA: Ele saiu hoje bem cedo, pediu que eu lhe entregasse esta carta.
Lúcia abre a carta que a recepcionista entrega.
“Para Lúcia,
Meu amor, desde que partimos para construir um futuro juntos, tivemos algumas discussões e desentendimentos, em especial o de ontem à noite, quando propus de comprarmos algumas terras e seguir uma vida no campo. Você discordou de mim, passei a noite inteira em claro pensando no assunto e não sai da minha cabeça que deveríamos seguir esse rumo. Prevejo que fique irritada ou decepcionada comigo, mas espero que me entenda. Eu peguei o dinheiro e levei minha ideia adiante. Fiz uma escolha, aposto que a melhor de nossas vidas, e, por isso, peço que siga junto comigo. Deixei uma boa quantia para se manter por um tempo e comprar a passagem de trem. Se você quiser vir atrás de mim, se quiser continuar a nossa história, venha, por favor! O endereço está na quarta página do jornal, circulada com caneta, deixei-o sobre a cômoda do quarto.
Com amor, Leonel.”
Lúcia fecha a carta com lágrimas nos olhos.
Um trem chega à estação de Vila das Camélias, e dele, radiante, desce Leonel, com um sorriso estampado de orelha a orelha.
LEONEL: Vai dar tudo certo!
ENCERRAMENTO
Nenhum comentário:
Postar um comentário