Limite da Vida - Capítulo 04
Graça serve uma taça de vinho para ela mesma, enquanto curte cada espaço da mansão, recheada de móveis luxuosos; Ela se senta perante ao piano e começa a tocar Chopin.
(Mansão de Tânia):
Tânia: Mas é o cúmulo de como a sua avó era ingênua, isso para não dizer coisa pior. Deixar uma mansão como aquela para uma enfermaria, não consigo compreender.
Felícia: Em um momento como esse e a senhora preocupada com a mansão da vovó.
Tânia: E tem mais, ela não colocou a caixinha de jóias no testamento.
Felícia: Caixinha de jóias?
Tânia: É... a caixinha com diversas jóias como, esmeraldas, brilhantes de todos os tipos. Dona Maia pensa que eu esqueci?
Felícia: E onde está?
Tânia: Este é o problema, não sei. Mas com certeza deve estar naquele casarão, em algum lugar escondido dentro dele. Espera, não pode ser.
Felícia: O que houve?
Tânia: Se as jóias estão no casarão, e o casarão ficou para a enfermeira… Não acredito.
Felícia: A senhora preocupada com umas jóias fuleiras, como se minha avó não tivesse deixado nada a senhora. Não sei que ambição descabida é essa. Vou me deitar, estou exausta.
Tânia grita.
Tânia: Fuleiras nada, meu amor. São jóias preciosíssimas.
Felícia sobe as escadas se apoiando no corrimão; Ela entra no quarto, encosta a porta e vai até a cômoda ao lado da cama onde tinha um retrato de sua avó; Felícia se deita na cama abraçando o retrato e chorando bastante.
Tânia permanece pensativa nas jóias e de como pode recuperá-las.
Rosinha: A senhora precisa de alguma coisa?
Tânia: Preciso sim, Rosinha...
Tânia encara Rosinha com um sorriso no rosto.
(Fazenda Poaia):
Humberto chega apressado em casa, ao lado dele está Ceiça; Enquanto isso, Catarina está separando o feijão na mesa.
Catarina: Quem é ela?
Humberto: Essa é Ceiça, vai trabalhar junto da gente, vai lhe ajudar nas tarefas diárias da fazenda.
Catarina: E já acertaram sobre o salário?
Catarina olha preocupada para Ceiça, enquanto Humberto fica em silêncio por alguns segundos.
Humberto: Hmm… Ah, sim, é claro que já, nós conversamos sobre isso, ela terá o seu salário todo mês.
Ceiça sorri.
Ceiça: E quando posso começar?
Catarina se levanta seriamente, puxa a cadeira e olha para Ceiça.
Catarina: Sente-se, comece separando esse feijão, você sabe, não é?
Ceiça: Claro que sei, dona…
Humberto: Ah, é Catarina.
Ceiça: Dona Catarina.
Catarina se retira, Humberto também vira as costas e Ceiça o observa com um olhar de desejo.
(Convento):
Mitra está regando o jardim do convento, sorridente. Lícia se aproxima e fica observando ela, até que decide conversar.
Lícia: Ah, você está aí.
Mitra: O que houve?
Lícia: Nada de errado, pelo contrário, está muito bem.
Mitra sorri e permanece regando.
Lícia: Você é tão doce, estava te observando de longe, a forma como você sorri enquanto rega as flores, enfim.
Mitra: Eu adoro cuidar do jardim, as flores são fascinantes por vários motivos, os seus significados… Algumas flores têm significados simbólicos, como as rosas vermelhas, que simbolizam amor e eternidade, ou as tulipas…
Mitra se aproxima ainda mais de Lícia e sussurra.
Mitra: Que traduzem erotismo.
As duas soltam um sorriso, Lícia ainda mais forte. Lícia fica vermelha.
Lícia: Então entende mesmo de flores?
Mitra: Pensou que eu estivesse mentindo?
Lícia: Não é isso, sei que você não mente.
As duas se encaram.
Irmã Maria passa por elas.
Irmã Maria: Vão ficar de conversinha as duas? Volte a regar, Mitra. E você, se não for ajudá-la, saia de perto e vá fazer algo útil.
Lícia: Eu vim justamente ajudá-la, irmã.
Lícia pega outro regador e o enche de água.
Irmã Maria: Acho bom.
Irmã Maria continua andando.
Lícia: Não suporto mais esse lugar, por isso quero ir embora daqui. Falando nisso, eu gostaria de te colocar a par do plano, apesar de você estar indecisa, posso fazer mudá-la de ideia.
Lícia pega na mão de Mitra e a leva até uma sala escondida dentro do convento.
Lícia: Exatamente aqui. Olhando o chão você não dá nada, mas tirando o tapete e colocando a mão no lugar certo… Aqui.
Lícia abre um alçapão no chão.
Lícia: Essa passagem dá no lado de fora do convento, já testei uma vez.
Mitra: Falando assim, aqui parece uma prisão. Não é tão mais simples pular a grade?
Lícia: Com aquelas freiras vigiando o dia todinho? Ainda tem o vigia a noite. Assim é mais seguro. Venha comigo, Mitra. Esse lugar aqui não faz bem pra ninguém.
Mitra: Realmente, eu sinto umas energias ruins dentro desse lugar. Mas ainda assim é melhor que minha casa.
Lícia se espanta.
Lícia: Mas eu não vou pra casa, vou por esse mundo afora, quero liberdade, poder experimentar as cores da vida, e não ficar nesse preto e branco do hábito.
Mitra: Eu lhe compreendo, mas ainda é incerto pra mim. Agora, melhor a gente voltar antes que deem falta do nosso sumiço.
A sirene começa a tocar.
Lícia: Olha, a sirene, quer dizer que tem reunião no pátio, vamos.
(Mansão de Maia):
A campainha toca.
Graça: Janete, Janeteeee. Oh céus.
Rosinha: Olá, sou eu.
Graça: Estou vendo, o que quer?
Graça e Rosinha ficam se olhando.
Graça: Entra, Rosinha. O que foi, precisa de algo?
Rosinha: Não, de jeito nenhum, imagina, minha amiga.
Graça: Então o que veio fazer aqui?
Rosinha: Patroa me deu o dia livre, quis vir até aqui te ver, por livre e espontânea vontade.
Graça: Ah sim, porque nós éramos muito amigas, não é?
Rosinha: Sim, uma amizade recente, mas uma conexão tão forte, tão sólida, não é?
Graça se levanta.
Graça: Minha querida, se eu te vi duas vezes foi muito, trocamos meia dúzia de palavras. Se veio a mando de sua patroa, diga a ela que a mansão está de portas abertas, inclusive, se ela quiser vir buscar as tralhas do quarto dela, pode.
Rosinha: Mas…
Graça: Agora pode se retirar, por favor? Estou cansada, quero colocar meu sono da beleza em dia, faça o favor.
Rosinha: Não é nada disso, tive tanta consideração com você, vim aqui te visitar, te desejar boa sorte nessa nova vida e como me trata? No meu coração, éramos parceiras no proletariado.
Graça bate a porta na cara de Rosinha.
Graça: Mas era só o que me faltava, é cada uma.
(Convento):
Madre Lúcia: Irmãs, chamei vocês até aqui para comunicar que o queridíssimo Batista De Jesus faleceu, e como ele sempre honrou nossa entidade, sua mulher, Drica, pediu para que ele fosse velado aqui. Sendo assim, amanhã teremos o velório dele, peço que contribuam para a arrumação do local. Muito obrigada pela atenção, mãos à obra.
(Mansão de Tânia):
Rosinha chega aflita na casa.
Rosinha: A senhora nunca mais me mande ir atrás de humilhação, viu.
Tânia: O que foi?
Rosinha: Ela disse que não precisa mandar ninguém em seu lugar, a senhora mesmo pode ir até ela, as portas da mansão estão abertas.
Tânia: Ah, não acredito, você deve ter dado na cara, né?
Rosinha: Eu não fiz absolutamente nada, ela só não é boba, não caiu na minha lábia de investigadora. E ainda disse para a senhora ir até lá e tirar suas tralhas do seu antigo quarto.
Rosinha se retira.
Tânia: Mas quem ela pensa que é? Rosinha, volte aqui, me conte o restante.
Tânia vai atrás de Rosinha.
No outro dia…
(Convento):
Senhoras e senhores,
Reunimo-nos hoje para prestar nossa última homenagem a um homem que, em sua jornada terrena, deixou uma marca indelével em todos nós. O Senhor Batista foi, sem dúvida, um daqueles homens raros cuja vida se tornou um exemplo do que significa ser íntegro, dedicado e apaixonado pela sua terra e pelo seu próximo. Hoje, ao nos despedirmos, não lamentamos a perda de um homem que partiu. Lamentamos, sim, que ele não estará mais entre nós para continuar a nos ensinar com seu exemplo de vida. Mas devemos também, com gratidão, celebrar a sua existência, pois aqueles que deixam sua marca em nossos corações nunca realmente partem. Eles continuam vivos nas lembranças, nas histórias que contamos e nos valores que transmitimos. Que o Senhor Batista tenha, onde quer que esteja, a paz que mereceu, e que nos inspire a seguir em frente, com a mesma coragem e dignidade com que ele enfrentou a cada dia. E que a paz divina conforte sua mulher, Drica, que está presente. Seus filhos também, Laurinha, enfim. Descanse em paz, grande amigo.
Todos aplaudem
Mitra começa a sentir calafrios, ela passa a mão por detrás do pescoço;
Mitra: Gostaria de falar algo em nome do Batista.
Drica: Como? Você o conhecia?
Mitra: Acabei de conhecer.
Madre Lúcia: Fique quieta, Mitra.
Giovanna: Lá vem, a louca vai falar.
Lícia: Ela não é louca.
Giovanna olha com deboche para Lícia.
Giovanna: Imagina se fosse...
Mitra: Mas ele pediu pra falar. O seu Batista disse que a dona Drica não precisa derramar essas lágrimas de crocodilo. Ele tinha descoberto o caso que a senhora tinha com o leiteiro.
Laurinha: Como? Meu pai te disse isso, em que momento?
Mitra: Ele está dizendo agora.
Laurinha: Uii, Deus me livre. Mamãe, o que essa maluca tá dizendo é verdade?
Drica: Claro que não, você ainda dá atenção pra essa doida de pedra? Madre Lúcia, por favor, dê um jeito nessa maluca, isso é um hospício ou um convento?
Mitra: Ele está do meu lado dizendo isso, e também disse que a aliança que a senhora disse que perdeu, está escondida, a senhora tirou propositalmente.
Laurinha: E como ela sabe disso? Minha Nossa Senhora.
Drica: Cale a boca, pentelha.
Drica se dirige para bater em Mitra quando Lícia interrompe.
Lícia: O que a senhora ia fazer? Se afaste, não vai encostar um dedo nela.
Laurinha: Então aquelas saidinhas repentinas da senhora tinham uma razão, era pra se encontrar com o leiteiro.
As freiras se chocam.
Drica: Para mim, chega, vou embora. Não posso ficar nem mais um minuto sendo insultada dessa forma. E para mim, Laurinha, é um disparate me acusar dessa maneira, não admito isso.
Drica pega a sua bolsa e vai embora, os filhos vão atrás.
Madre Lúcia desce do palco e se dirige até Mitra.
Madre Lúcia: Mas o que foi isso? O que fez nesse salão não tem perdão. Sabe o que me parece? Que corre atrás de um castigo.
Mitra: Não, por favor, madre.
Madre Lúcia: Terá que trabalhar dobrado, de algum jeito você tem que aprender a controlar esse dom.
Mitra: A senhora sabe que é um dom divino.
Madre Lúcia: Não me responda, Mitra.
Mitra: Eu não poderia ficar calada, ele tinha me pedido para dizer, não tenho culpa se a dona Drica não é fiel e colocou um par de chifres no morto.
Madre Lúcia: Mas que indecência, saia logo daqui antes que eu perca a paciência com você, já estou no meu limite. Meu coração anda muito mole, em outros tempos, você teria um castigo muito pior do que esse.
Mitra e Lícia saem dali rapidamente e juntas.
Lícia: Mitra, já te disse para não ficar afrontando a madre dessa maneira, ela não vai ser benevolente para sempre.
Mitra: Dona madre deveria me ouvir mais, ela age como minha mãe, entende que esse dom que eu tenho não é algo divino, como se não pudesse misturar as duas coisas.
Lícia: Deixe ela, não estaremos aqui amanhã mesmo.
Giovanna observa as duas e escuta elas falando isso, ela decide ir até o quarto delas sem elas estarem lá dentro.
Giovanna: Que malas prontas são essas? Será que vão viajar? Mas a madre não disse nada.
Mitra, Lícia e outras noviças entram no quarto e se deparam com Giovanna abaixada.
Lícia: O que está fazendo aí, Giovanna?
Giovanna: Pensei ter deixado cair algo aqui da última vez que estive, mas bobagem. Boa noite, meninas.
Lícia: Boa noite... Ela não me engana, Giovanna sempre teve esse jeito, como posso dizer, intrigante. Temos que ficar de olho bem aberto com ela.
Mais tarde...
Mitra está deitada no jardim, observando a lua quase cheia, quando Lícia aparece.
Lícia: Posso me deitar ao seu lado?
Mitra: Claro, fique à vontade.
Lícia: Fez suas malas? É bom se precaver, vai que você muda de ideia.
Mitra: Eu fiz, mas não tenho certeza se é isso que quero, você sabe.
Lícia: Não, tudo bem, estou sabendo. Vai ser muito bom sair desse lugar infernal, a única coisa que pesa para mim é perder você, Mitra.
Lícia pega na mão de Mitra.
Mitra: Como já disse, não vai me perder, talvez eu vá com vocês.
Lícia: Se não for e se algo acontecer comigo e eu, enfim, quando eu morrer, irei atrás de você.
Mitra sorri.
Mitra: Mas isso vai demorar bastante ainda, fica tranquila.
Lícia observa a lua.
Lícia: Então é amanhã... amanhã iremos sair daqui, ter a nossa liberdade, amanhã vai começar um novo ciclo em nossas vidas.
Mitra e Lícia se encaram e voltam a olhar as estrelas.
Um close no rosto de Lícia iluminado.
ENCERRAMENTO.
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