Limite da Vida - Capítulo 01
novela de Larice da Costa
Era um início de manhã ensolarado na Fazenda Poaia. No centro da propriedade, uma casa grande e austera refletia o estilo de vida de seus moradores. Catarina e Humberto, pais de Mitra, são devotos fervorosos, seguidores das tradições religiosas que seguravam a moral daquela fazenda. Porém, Mitra era diferente, nascida com um dom que nenhum deles poderia compreender, ela enxergava o que os outros não viam. Humberto é um grande produtor de café, vindo de uma família afortunada, com boas condições, mas é mão fechada.
Mitra toma seu banho e se deita na cama, Leônidas se aproxima.
Humberto: Não esqueça de rezar e durma com Deus, filha.
Mitra: Amém, meu pai.
Mitra não reza e apaga a vela.
Um vento forte balança o catavento da fazenda, esse vento entra pela janela derrubando algumas decorações.
Durante a madrugada, ela começa a se revirar na cama, ela tem pesadelos sobre a mãe com um bebê no colo, Catarina estava chorando no sonho e cheia de sangue. Mitra acorda ofegante e suada, quando de repente algo sussurra no ouvido dela.
Sussurro: Há um mistério envolvendo você, vá atrás e descubra.
Mitra se levanta, abre a porta e entra no escritório da casa, mas acaba derrubando algumas coisas pelo caminho fazendo barulho.
Catarina que estava na cozinha, ouve tudo e vai em direção apertando seu terço, ela encontra Mitra abrindo uma gaveta escondida quando chama pela filha.
Catarina: O que está fazendo fora da cama em altas horas da noite?
Catarina cruza os braços e estreita os olhos.
Mitra: Perdão, mãe. Minha cabeça está doendo, não sei como vim parar aqui, vou tomar um copo de água e me deito.
Catarina fica no local observando a gaveta e se aproxima dela.
No outro dia.
(Mansão de Tânia):
Tânia, sempre impecável, desce as escadas da mansão com sua habitual expressão de desaprovação, ela se senta na mesa de café.
Tânia pega o chá e quando toma, cospe tudo.
Tânia: Mas o que é isso? Pão com mortadela? Café puro? Rosinhaaaa! Venha cá.
Rosinha se aproxima.
Rosinha: Pois não, senhora.
Tânia: Mortadela? Que despautério é esse? E cadê o leite?
Rosinha: Bom, mortadela foi a única coisa que deu pra comprar com o dinheiro que a senhora me deu, se eu priorizasse o presunto de parma e o queijo fresco, teria que comer eles puros. E o leite, a senhora já imagina…
Tânia fica desconfortável com a situação.
Tânia: Tudo bem, pode ir.
Felícia, filha de Tânia, percebe toda a situação do andar de cima com um leve sorriso.
Ela desce as escadas afrontosa.
Tânia pergunta em tom ácido.
Tânia: O que foi, Felícia? Qual a graça disso?
Felícia: Bom dia, mamãe. É que é no mínimo curioso ver uma pessoa que sempre teve repúdio de pobreza, estar passando por uma situação tipo essa.
Ela gesticula mostrando a mesa do café.
Tânia: Adora rir da minha desgraça, não é? Mas saiba que esse probleminha, atinge você também. Inclusive você pode procurar um meio de trazer dinheiro aqui pra casa.
Felícia: Ótimo! Posso dar minhas aulas sobre espiritismo, fascinante não é?
Tânia: Não me irrite mais, estou falando sério.
Felícia: Também estou.
Tânia suspira alto com tom de cansaço.
Felícia: Bom, que tal a senhora vender as jóias que mal usa, devem valer bastante.
Tânia olha com uma expressão de repúdio.
Tânia: Nunca, minhas preciosidades ficam comigo até a morte.
Felícia se levanta limpando a boca com o guardanapo.
Felícia: Pois a senhora nem se esforça, vou ver o que posso vender, tenho alguns livros, enfim.
Felícia está passando na rua com os livros nas mãos e esbarra em Humberto fazendo os livros cair.
Humberto: Mil perdões, senhorita. O erro foi meu.
Felícia: Mas o que é isso, não precisa se desculpar, também estava errada em não olhar o caminho.
Felícia fica sem jeito enquanto Humberto a ajuda colocando os livros em suas mãos.
Felícia: Antes do senhor ir… poderia me ajudar novamente, mas agora de uma outra forma.
Humberto: Só me dizer, o que eu faço?
Felícia: Compre esses livros, estou vendendo pra juntar um dinheiro precioso, necessito muito vendê-los.
Humberto: Mas… livros? O que eu vou fazer com isso?
Felícia: O senhor tem filhos ou filhas?
Humberto: Tenho sim.
Felícia se anima.
Felícia: Então, é importante pra eles lerem livros assim, como os meus, por favor, senhor.
Humberto: Tá certo, quanto a senhorita quer por eles?
Felícia: Vinte contos de réis em cada.
Humberto: Vou levar três.
Humberto acaba levando um livro sobre espiritismo no meio dos outros.
Cenas das nuvens passando entre as montanhas.
A noite chega.
(Mansão de Maia):
Graça está preparando algumas toalhas úmidas e as leva até o quarto de Maia, que está dormindo.
Graça: Pode ir, Janete. Pelo visto vai chover bastante e já está tarde também, vá para a casa.
Janete: Tem certeza? Não vai precisar de mim, senhorita?
Graça: Não vou precisar, pode ir.
Janete se retira do ambiente.
O tempo fecha e uma tempestade começa a se formar, uma ventania forte faz um barulho sinistro pela casa.
Graça aproveita aquele momento e abre a janela do quarto de Maia, fazendo com que aquela ventania entre pelo quarto.
(Fazenda Poaia):
Mitra e Humberto estão conversando na varanda da casa.
Mitra: Sabe, meu pai, às vezes eu sinto que a mamãe esconde algo da gente, o jeito dela de ser, sempre com um pé atrás, muito misteriosa.
Humberto: Eu sinto isso também, desde que me casei com ela, na verdade. Sempre se mostrou muito resguardada, nunca quis falar muito sobre o passado, até hoje se alguém pergunta algo ela desconversa.
Mitra: O senhor nunca quis ir atrás pra saber o que ela esconde?
Humberto: Minha filha, tem momentos que eu penso em colocá-la contra a parede e a fazer dizer tudo, mas tem momentos que eu penso que isso não valha a pena, quem sabe não é só impressão nossa, talvez esse seja o jeito dela.
Mitra: Mas o senhor não precisa colocá-la contra a parede para descobrir algo.
Os dois se encaram.
Catarina procura Mitra e não encontra, ela entra em seu quarto e começa a mexer nas coisas, até que abre a gaveta e se depara com os livros, ela abre o primeiro que vê, justamente o que fala sobre espiritismo.
Abertura:
Catarina: MITRAAAAAA! MITRA, CADÊ VOCÊ.
Ela caminha até a sala procurando pela garota que aparece ao lado do pai.
Humberto: O que está acontecendo?
Mitra percebe a situação quando vê o livro nas mãos de Catarina.
Catarina: O que significa isso? Onde arranjou esses livros?
Mitra: Mãe, se acalme. O seu coração.
Catarina: Me acalmar? Por que eu deveria me acalmar? Livro que trata sobre espiritismo?
Ela olha pra Humberto.
Catarina: E você não tem vergonha disso não? Trazendo esse tipo de coisa pra dentro de casa? Que nosso Senhor Jesus Cristo lhe perdoe.
Mitra: Mãe, uma coisa não tem nada a ver com a outra, eu posso acreditar no espiritismo e em Deus ao mesmo tempo.
Catarina: Cale a boca, você não sabe o que fala.
Ele estende o terço em direção de Mitra.
Humberto: Eu não me atentei ao conteúdo dos livros, pensei que estivesse ajudando Mitra, pensei no futuro dela.
Catarina: Ajudou sim, ajudou ela a se perder mais ainda, deu munição ao inimigo.
Mitra: Munição ao inimigo? Mãe…
Catarina: Isso não vai ficar assim.
Catarina leva os livros até a cozinha e os queima no fogo do fogão à lenha.
Mitra vai atrás e se desespera.
Mitra agarra a mãe tentando impedir, mas já estava perdido.
Mitra: Por que faz isso comigo? Sente prazer em me torturar? Sempre reprimindo os meus desejos, os meus sentimentos.
Catarina: Desejo é pecado, falar com espírito também.
Mitra: É UM DOM. Mas a senhora não entende mesmo, nunca vai entender, queria que me compreendesse, não é difícil.
Catarina: Está gritando comigo, não há dúvidas de que isso está te levando para o mal caminho.
Humberto: Não grite com a sua mãe, Mitra.
Catarina segura firme os braços de Mitra.
Catarina: Nunca mais levante a voz para mim, entendeu?
Catarina chacoalha Mitra enquanto fala.
Catarina: Peça agora, Mitra.
Catarina: Me perdoe, eu não quis te desrespeitar.
Mitra sai dali chorando e vai para o quarto.
Humberto se aproxima de Catarina e faz um carinho nela.
Catarina: Me solte, você é responsável por tudo isso, não venha tentar se redimir com palavras doces e um carinho mal feito.
Ele a olha confuso.
Catarina fica parada encarando a cruz na parede.
Na madrugada, Mitra tem pesadelos misturados com visões sobre algo relacionado à mãe novamente. Dessa vez, algo mais claro, a mãe estava segurando um bebê no colo e chorando.
De repente, o espírito com um sussurro, se aproxima de novo e diz a ela.
Sussurro: Ela lhe esconde algo. Pegue a carta, aquela carta vai te dizer tudo. Está na escrivaninha, em uma maleta no fundo falso da gaveta.
Mitra acorda e se senta na cama, aquela tensão fica presa no ar por alguns segundos, fazendo com que ela fique desconfortável. Uma ventania entra pela janela, ela se levanta, tocando os pés quentes no chão gelado, e fecha a janela de madeira.
Mitra volta para a cama, segura o terço com força, e se deita, cobrindo totalmente o corpo.
Amanhece…
Mitra vai até o quarto da mãe, na escrivaninha em que viu no pesadelo.
Ela abre e percebe um fundo falso, na qual tira e encontra a maleta cheia de bilhetes e cartas.
Catarina chega na hora.
Catarina: O que está acontecendo aqui? Quem lhe deu o direito de mexer nas minhas coisas?
Catarina avança em Mitra e toma a maleta de suas mãos.
Catarina: Enxerida, já não basta o que fez ontem?
Mitra: Por que escondia isso em uma maleta, que por sua vez, ficava em um fundo falso?
Catarina: Calada! Não me afronte mais. Não sei o que fazer com você, está no meu limite.
Catarina coloca a maleta no lugar e fecha a gaveta.
Catarina: Se está escondido, deve ter um motivo, não acha?
Mitra: Sim… isso que eu estou querendo saber.
Catarina: Quer dizer que não interessa a mais ninguém, somente a mim, a mim!
Catarina bate no peito, fazendo um barulho estridente.
Catarina: Saia do meu quarto, já!
Mitra: Eu não saio até que me diga o que é isso que esconde. Não confia em mim?
Catarina: Mas você está muito petulante mesmo, me respeite, garota.
Mitra: A senhora não reflete esse respeito, me trata como um animal que você coloca em um cabresto e guia pelo resto da vida, mas eu não vou aceitar uma vida que não é para mim, não vou.
Catarina bate no rosto de Mitra, fazendo um barulho estridente.
Catarina: Pois eu acho melhor aceitar esse destino, eu não tive filha para me desrespeitar e seguir o mal caminho, saia logo daqui e trate de prosseguir com seus afazeres. SUMA DA MINHA FRENTE.
Mitra sai indignada e chorando do quarto.
Catarina fecha a porta.
Catarina fala para si mesma, olhando seu reflexo no espelho.
Catarina: Eu tenho que tomar uma atitude, e o mais depressa possível.
A câmera foca no rosto dela ao som de um instrumental tenso.
ENCERRAMENTO.
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