A Melindrosa,Cap 10 - 28/12/2024

 A Melindrosa




Capítulo 10


1929


Cena 1- Fim de tarde.Cafeteria.


Ana Lúcia e Mariane estão tomando um café após terem presenciado a entrevista de Luiza Alzira Teixeira Soriano,a primeira prefeita do Brasil.


Mariane- Espero que ela possa administrar bem a cidade e que outras mulheres a tenham como exemplo para entrarem na política.É uma vergonha que nós ainda não possamos votar.


Ana Lúcia- Amiga.Devo lhe confessar algo.


Mariane- O que?.


Ana Lúcia- Eu tenho um talento oculto.


Mariane- An? Não entendi.Pode explicar melhor ?Conta logo.


Ana Lúcia- Então para de me interromper.Papagaia… Eu… Escrevo artigos.Com críticas sociais a eventos e a tudo que esteja em alta no momento.


Mariane- Mentira.Me mostra,eu imploro.Por favor.


Ana Lúcia- Outro dia eu mostro.Mas eu queria lhe pedir… Que você me permitisse lançar esses artigos em seu jornal.


Mariane- Claro amiga.Com certeza.Eu só preciso que você me mostre.


Ana Lúcia- Depois eu te mostro.Mas antes de tudo.Se realmente for lançar meus artigos no seu jornal,eu prefiro que minha identidade seja preservada.


Mariane fica chocada com o pedido da amiga.


Cena 2- Confeitaria.


Benjamin e Luísa estão saboreando uma fatia de bolo.Ambos conversam.


Benjamin- Sabe,eu gostei de você.


Luísa- É mesmo ? Já imaginava.Dificilmente um homem não gosta de mim.


Benjamin- Imagino.Mas não dá para você ser minha noiva e uma rameira ao mesmo tempo.


Luísa se engasga e não acredita no que ouviu.


Luísa- Perdão?.


Benjamin- Mas não ache que você vai ser minha noiva mesmo.


Luísa- Claro que não,meu filho.Eu sei muito bem o meu lugar na sociedade.


Benjamin- Que bom.Mas de dia você não tem cara de quem trabalha com o que trabalha… E eu tô precisando que minha família confie mais em mim.E uma noiva seria tudo o que eles precisam para confiarem de vez em mim.


Luísa- E você quer que eu seja essa noiva ?.


Benjamin- Menina esperta.Isso mesmo.Topa ?.


Luísa- Desde que eu ganhe algo em troca… E é claro,que você se mantenha calado sobre minha segunda profissão.


Benjamin- Tudo certo.Ninguém precisa ficar sabendo que a senhorita Luísa Serra e Dutra Cavalcante,é uma rameira.


Luísa- Mas o que eu ganho em troca ?.


Benjamin- Eu mantenho silêncio sobre a sua profissão oculta.E ainda te assumo na alta sociedade.


Luísa- Mas você sabe… Eu não tenho boas roupas ou nada que me faça parecer uma dama vinda de família nobre.


Benjamin- Não se preocupe.Disso eu me encarrego.


Cena 3- Noite.Residência Serra e Dutra Cavalcante.Sala de jantar.


Sebastião e Benjamin estão sentados à mesa,esperando Ana Lúcia para iniciarem o jantar.


Sebastião- Mas que demora da Ana Lúcia.Ela não vai jantar ou o quê?.


Ana Lúcia aparece no cômodo,arrumada,mais do que o normal.


Ana Lúcia- Meus queridos.Podem jantar sem mim.Vou à casa de Mariane.


Sebastião- Como é ?.Com autorização de quem ?.


Ana Lúcia- De ninguém.Até porque não preciso.Não sou seu objeto.Da mesma forma que você sai durante a noite quando quer,eu também vou sair e ninguém vai me impedir.Já sabem onde vou estar.Boa noite e tenham um bom jantar.


Ana Lúcia se retira e sai de casa.


Sebastião- Mas é o cúmulo do absurdo.


Benjamin- Pai,tenho algo a lhe contar.Estou namorando uma jovem.


Sebastião- Quem é ? De qual família ela pertence ?.


Benjamin- Ela é… Ela é americana.Quer dizer,europeia.


Sebastião- É americana ou europeia ?.


Benjamin- A família dela é europeia e americana.E quero apresentá-la para vocês.


Sebastião- Muito bem.Seus avós ficarão muito felizes.Agora poderemos ter mais confiança em mandar você ano que vem para a faculdade do Rio de Janeiro.


Cena 5- Ruas de São Paulo.


Ana Lúcia pegou um carro de aluguel para se dirigir a residência de sua amiga.Ela só não percebeu que quem está dirigindo,é justamente Diego Fernandes,o mesmo homem que esbarrou nela.Ao fim da viagem,os dois percebem a presença do outro.


Diego- Bom,senhorita,a viagem deu… (olha para ela) A senhora ?.


Ana Lúcia- Você?.


Diego- Que coincidência do destino.


Ana Lúcia- Meu Deus,o mundo é muito pequeno mesmo.Mas você trabalha como motorista aqui ?.


Diego- Sim,pelo menos por enquanto.Consegui um emprego numa empresa de tecidos.


Ana Lúcia- Qual empresa ? Em que cargo ?.


Diego- Naquela empresa “Gaspar Cavalcante” que trabalha com tecidos,eles produzem e vendem internacionalmente para todos os lugares do mundo,e consegui um cargo como operador de produção.


Ana Lúcia- Eu sou filha do dono dessa empresa.


Diego- Mentira ?. Como assim? Meu Deus do céu.O mundo é muito pequeno mesmo.


Ana Lúcia- Pois é.


Diego- Mas a senhora trabalha lá?.


Ana Lúcia- Infelizmente não.Meu pai é muito machista.


Diego- Que pena,adoraria tê-la como minha patroa.


Ana Lúcia- Ah é ? Eu também adoraria trabalhar por lá.Mas não tenho formação necessária.Quando deu a viagem ?.


Diego- Para a senhorita eu deixo de graça.


Ana Lúcia- Não.Eu faço questão de pagar,esse é seu trabalho.Você não pode abrir mão do que lhe cabe.


Diego- Mas eu faço questão de deixar por minha conta desta vez.


Diego sai do carro e abre a porta de trás para Ana Lúcia.Ela sai do carro,e ele beija a mão dela.Dentro da residência Bittencourt de Andrade,Mariane vê tudo.


Ana Lúcia- Que galanteador.


Diego- Apenas educado.


Ana Lúcia- Sua esposa deve ser muito feliz com você.


Diego- Não sou casado.Ainda… Perdão,qual o seu nome ?.


Ana Lúcia- Me chamo Ana Lúcia,e você?.


Diego- Diego Fernandes,a seu dispor.


Ana Lúcia- Não deve demorar a encontrar alguém que lhe faça feliz.Boa noite e bom trabalho.


Diego- Para a senhora também.


Ana Lúcia entra na residência enquanto Diego a observa com um olhar apaixonado.


Cena 6- Residência Bittencourt de Andrade.Sala de estar.


Mariane recebe Ana Lúcia.


Mariane- Amigaaaaa.Eu vi hein.


As duas se abraçam.


Ana Lúcia- Viu o quê? Maluca.


Mariane- Aquele homem,todo de quatro por você.Não viu o olhar dele ?.


Ana Lúcia- Eu sou casada tá.Embora não mereça meu respeito,ele ainda é o pai do meu filho.Tenho que manter a compostura.


Mariane- Blablaba.Falando assim até parece que você concorda com as convenções e todas essas bobagens.Onde está aquela Lucinha rebelde de 20 anos atrás?.


Ana Lúcia- A Lucinha de 20 anos atrás segue viva,mas ela cresceu,amadureceu,e entendeu que precisamos abrir mão de certas lutas para o nosso próprio bem.


Mariane- Uii.Desculpa senhorita Ana Lúcia.


Ana Lúcia- Deixa de ser boba.


Mariane- Trouxe os artigos ?.


Ana Lúcia- Claro,estão na minha bolsa.


Mariane- Ótimo.


Cena 7- No outro dia.Manhã.Ruas de São Paulo.Música de tensão.


Anastácia anda pelas ruas de São Paulo de 1929,procurando pelo endereço que está escrito na carta.


Anastácia- Mas não é possível.Deveria ser nessa rua.E quem escreveu essa carta ? Sobre quem fala ?. Tantas perguntas meu Deus.


Ela finalmente acha o endereço,se trata de um orfanato.Ela entra no local e pergunta à recepcionista.


Anastácia- Bom dia senhorita.Aqui é mesmo um orfanato?.


A recepcionista- Sim senhora.


Anastácia- Será que você pode me ajudar ?.


A recepcionista- Claro,pode falar.


Anastácia mostra a carta a recepcionista.


Anastácia- A pessoa que escreveu essa carta,trabalha aqui ?.


A recepcionista- Não mesmo.


Anastácia- Tem certeza ?.


A recepcionista- Sim.


Anastácia- Mas como a pessoa que escreveu essa carta colocou o endereço daqui ?.


A recepcionista- Creio que a pessoa queira despistar o real local que ela escreveu essa carta.É a única explicação possível.


Anastácia- Obrigada.


Anastácia sai do local decepcionada.


Cena 8- Residência Serra e Dutra Cavalcante.Quarto de Ana Lúcia e Sebastião.


Os dois estão se arrumando.


Sebastião- Já está sabendo da novidade ?.


Ana Lúcia- Sobre ?.


Sebastião- Sobre o seu filho.


Ana Lúcia- Não. E ele é nosso filho.


Sebastião- Ele me contou que está namorando uma jovem estrangeira,e quer nos apresentá-la.


Ana Lúcia- Ah é.Ele não me falou nada.


Sebastião- Claro,quando ele me contou,você estava fora,se divertindo com as amiguinhas.


Ana Lúcia- Da mesma forma que você vive saindo e me deixando sozinha.


Sebastião- Tenho direito.Sou o homem da casa.


Ana Lúcia- E eu,como sou a mulher,tenho que aguentar sua falta de respeito calada ?.


Sebastião- Sim.Além do mais que não preciso te recordar que nem marido e mulher de verdade somos.


Ana Lúcia- Não foi isso que parecia nos nossos primeiros anos de casados.Porque mesmo com sua frieza,na nossa intimidade,você me procurava.


Sebastião- Porque a carne é fraca.E você me provocava.


Ana Lúcia- Não é isso que eu me lembro.


Sebastião- Por pena.Porque é só isso que uma mulher qualquer como você ainda me desperta.Não tem mais a beleza que me seduzia como antes.Não me provoca nenhum sentimento mais.Apenas desprezo e nojo.


Ana Lúcia sente a humilhação e começa a lacrimejar.


Ana Lúcia- Saia agora,vá antes que eu te expulse.


Sebastião- Claro,já terminei de me arrumar.Agora fique com este quarto fedendo ao mofo das suas lembranças,das suas ilusões hipotéticas.Você é tão patética que me dá pena.


Sebastião sai do quarto,e Ana Lúcia começa a chorar.


Ana Lúcia- Como fui chegar nessa situação? O que fiz de tão errado para merecer tudo isso ? Eu não aguento mais.


Cena 9- Praça de São Paulo.


Nestor e Cleo estão passeando pela praça,enquanto a moça come um saco de pipoca.


Cleo- Você não imagina como eu estava morrendo de saudades de você,meu velhinho.


Nestor- E eu mais ainda.Como foram esses dias sem mim ?.


Cleo- Foram torturantes.Estou merecendo um presentinho.


Nestor- Não se preocupe.


Ele tira de uma sacola uma caixa com um colar de brilhantes.


Nestor- Aqui está.


Cleo pega a caixa e a abre,então,se surpreende com o colar.


Nestor- Gostou?.


Cleo- Se eu gostei ? Eu amei.Muito obrigada.Aaaaa (ela dá um gritinho) desculpa.Mas é que eu estou muito eufórica.


Nestor- Só vai realçar sua beleza.


Cleo- Claro,até porque bonita eu já sou.


Cena 10- Joalheria.


Luzia está olhando atentamente as joias na joalheria que tradicionalmente compra seus pertences,até que se interessa pelo mesmo colar que Nestor comprou para sua amante Cleo.


Luzia- Mas este colar é uma beleza.


Uma atendente chega para atendê-la.


Atendente- Gostou ?.


Luzia- Amei.Vou levar esse.Estou precisando renovar minha coleção.


Atendente- Pensava que seu marido já tinha lhe presenteado com esse colar.


Luzia fica confusa.


Luzia- Como assim ? Ele já veio aqui e comprou ?.


Atendente- Sim.Ele comprou por esses dias.Ele ainda não te deu ?.


Luzia- Não.


A atendente percebe que a deixou em uma saia justa.


Luzia- Pode me dizer quantos dias fazem que ele comprou ?.


A atendente- Já faz uns 5 ou 4 dias.


Luzia- Ah sim.Imagino que ele vá fazer uma surpresa para mim.


A atendente- Com certeza.


A atendente sai de perto dela.Luzia está furiosa,mas esconde o que está sentindo.


Luzia (pensamento)- Se ele estiver me traindo… Eu vou descobrir.Ele nem pense em me enganar.


Cena 11- Residência Gaspar Cavalcante.Sala de Estar.


Fernando,que agora está mais velho,mas continua bonito,elegante e jovial,acabou de chegar. Suas malas estão postas no chão atrás dele.Sua mãe e Anastácia o recepcionam calorosamente.


Luzia- Meu filho,que prazer revê-lo.Como foram esses tempos pela cidade maravilhosa?.


Anastácia- Se tivesse me falado teria feito uma torta de banofee que você tanto gosta.


Fernando- Ah minha mãe e minha tia.Eu que tenho muito gosto em revê-las.


Ele abraça as duas.


Fernando- E papai?.


Anastácia- Trabalhando,como sempre.


Luzia- Por favor Anastácia.Quantas vezes tenho que te lembrar que a dona da casa sou eu? .Haja santa paciência.Diga-me,meu filho,gostou de revisitar o Rio de Janeiro?.


Fernando- Sim,a cidade maravilhosa fica cada vez mais maravilhosa.É impressionante a beleza dessa cidade.Apesar que essa minha visita não foi das melhores.


Anastácia- Bem que eu disse Dona Luzia.Essa quebra da bolsa é a maior crise do sistema capitalista.


Luzia- Cale-se e vá para a cozinha que é seu lugar.


Anastácia se retira da sala.


Fernando- Mamãe,não precisava tratá-la dessa forma.Sei que tens ciúmes,mas eu posso me dividir entre as duas.


Luzia- Não imagina como ela anda rebelde e respondona,cada dia mais insuportável.Se pudesse a expulsava de casa imediatamente.


Fernando- Cadê minha irmã?.


Luzia- Na casa dela,sempre lá cuidando de tudo.


Fernando- Teve notícias de Mariane ?.


Luzia- Claro.Ela vive saindo nos jornais por ser uma dessas femi- num sei o quê.É dessas mulheres que vivem nos enchendo de vergonha.Se Conrado fosse vivo,estaria morto de vergonha pela pessoa que a filha se tornou.


Fernando não gosta do comentário da mãe e decide se retirar.


Fernando- Vou à casa de Ana Lúcia.


Fernando não está aguentando o mal humor da mãe.


Cena 12- Frente da Residência Serra e Dutra Cavalcante.


Fernando anda apressado para chegar à casa da irmã,até que é surpreendido e atropelado por Marian

e.Ambos não se reconhecem de longe.


Mariane (dentro de seu carro)- Não olha pra onde anda não?. Imbecil.


Fernando- Ô seu maluco,cuidado quando for sair por aí.


Mariane não aguenta a provocação e sai do seu carro.Fernando se levanta.Ambos se encaram,frente a frente e se reconhecem.Começa a tocar “O Gondoleiro do Amor”.


Mariane- Fernando ?.


Fernando- Mariane ?.






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