A Melindrosa
Capítulo 10
1929
Cena 1- Fim de tarde.Cafeteria.
Ana Lúcia e Mariane estão tomando um café após terem presenciado a entrevista de Luiza Alzira Teixeira Soriano,a primeira prefeita do Brasil.
Mariane- Espero que ela possa administrar bem a cidade e que outras mulheres a tenham como exemplo para entrarem na política.É uma vergonha que nós ainda não possamos votar.
Ana Lúcia- Amiga.Devo lhe confessar algo.
Mariane- O que?.
Ana Lúcia- Eu tenho um talento oculto.
Mariane- An? Não entendi.Pode explicar melhor ?Conta logo.
Ana Lúcia- Então para de me interromper.Papagaia… Eu… Escrevo artigos.Com críticas sociais a eventos e a tudo que esteja em alta no momento.
Mariane- Mentira.Me mostra,eu imploro.Por favor.
Ana Lúcia- Outro dia eu mostro.Mas eu queria lhe pedir… Que você me permitisse lançar esses artigos em seu jornal.
Mariane- Claro amiga.Com certeza.Eu só preciso que você me mostre.
Ana Lúcia- Depois eu te mostro.Mas antes de tudo.Se realmente for lançar meus artigos no seu jornal,eu prefiro que minha identidade seja preservada.
Mariane fica chocada com o pedido da amiga.
Cena 2- Confeitaria.
Benjamin e Luísa estão saboreando uma fatia de bolo.Ambos conversam.
Benjamin- Sabe,eu gostei de você.
Luísa- É mesmo ? Já imaginava.Dificilmente um homem não gosta de mim.
Benjamin- Imagino.Mas não dá para você ser minha noiva e uma rameira ao mesmo tempo.
Luísa se engasga e não acredita no que ouviu.
Luísa- Perdão?.
Benjamin- Mas não ache que você vai ser minha noiva mesmo.
Luísa- Claro que não,meu filho.Eu sei muito bem o meu lugar na sociedade.
Benjamin- Que bom.Mas de dia você não tem cara de quem trabalha com o que trabalha… E eu tô precisando que minha família confie mais em mim.E uma noiva seria tudo o que eles precisam para confiarem de vez em mim.
Luísa- E você quer que eu seja essa noiva ?.
Benjamin- Menina esperta.Isso mesmo.Topa ?.
Luísa- Desde que eu ganhe algo em troca… E é claro,que você se mantenha calado sobre minha segunda profissão.
Benjamin- Tudo certo.Ninguém precisa ficar sabendo que a senhorita Luísa Serra e Dutra Cavalcante,é uma rameira.
Luísa- Mas o que eu ganho em troca ?.
Benjamin- Eu mantenho silêncio sobre a sua profissão oculta.E ainda te assumo na alta sociedade.
Luísa- Mas você sabe… Eu não tenho boas roupas ou nada que me faça parecer uma dama vinda de família nobre.
Benjamin- Não se preocupe.Disso eu me encarrego.
Cena 3- Noite.Residência Serra e Dutra Cavalcante.Sala de jantar.
Sebastião e Benjamin estão sentados à mesa,esperando Ana Lúcia para iniciarem o jantar.
Sebastião- Mas que demora da Ana Lúcia.Ela não vai jantar ou o quê?.
Ana Lúcia aparece no cômodo,arrumada,mais do que o normal.
Ana Lúcia- Meus queridos.Podem jantar sem mim.Vou à casa de Mariane.
Sebastião- Como é ?.Com autorização de quem ?.
Ana Lúcia- De ninguém.Até porque não preciso.Não sou seu objeto.Da mesma forma que você sai durante a noite quando quer,eu também vou sair e ninguém vai me impedir.Já sabem onde vou estar.Boa noite e tenham um bom jantar.
Ana Lúcia se retira e sai de casa.
Sebastião- Mas é o cúmulo do absurdo.
Benjamin- Pai,tenho algo a lhe contar.Estou namorando uma jovem.
Sebastião- Quem é ? De qual família ela pertence ?.
Benjamin- Ela é… Ela é americana.Quer dizer,europeia.
Sebastião- É americana ou europeia ?.
Benjamin- A família dela é europeia e americana.E quero apresentá-la para vocês.
Sebastião- Muito bem.Seus avós ficarão muito felizes.Agora poderemos ter mais confiança em mandar você ano que vem para a faculdade do Rio de Janeiro.
Cena 5- Ruas de São Paulo.
Ana Lúcia pegou um carro de aluguel para se dirigir a residência de sua amiga.Ela só não percebeu que quem está dirigindo,é justamente Diego Fernandes,o mesmo homem que esbarrou nela.Ao fim da viagem,os dois percebem a presença do outro.
Diego- Bom,senhorita,a viagem deu… (olha para ela) A senhora ?.
Ana Lúcia- Você?.
Diego- Que coincidência do destino.
Ana Lúcia- Meu Deus,o mundo é muito pequeno mesmo.Mas você trabalha como motorista aqui ?.
Diego- Sim,pelo menos por enquanto.Consegui um emprego numa empresa de tecidos.
Ana Lúcia- Qual empresa ? Em que cargo ?.
Diego- Naquela empresa “Gaspar Cavalcante” que trabalha com tecidos,eles produzem e vendem internacionalmente para todos os lugares do mundo,e consegui um cargo como operador de produção.
Ana Lúcia- Eu sou filha do dono dessa empresa.
Diego- Mentira ?. Como assim? Meu Deus do céu.O mundo é muito pequeno mesmo.
Ana Lúcia- Pois é.
Diego- Mas a senhora trabalha lá?.
Ana Lúcia- Infelizmente não.Meu pai é muito machista.
Diego- Que pena,adoraria tê-la como minha patroa.
Ana Lúcia- Ah é ? Eu também adoraria trabalhar por lá.Mas não tenho formação necessária.Quando deu a viagem ?.
Diego- Para a senhorita eu deixo de graça.
Ana Lúcia- Não.Eu faço questão de pagar,esse é seu trabalho.Você não pode abrir mão do que lhe cabe.
Diego- Mas eu faço questão de deixar por minha conta desta vez.
Diego sai do carro e abre a porta de trás para Ana Lúcia.Ela sai do carro,e ele beija a mão dela.Dentro da residência Bittencourt de Andrade,Mariane vê tudo.
Ana Lúcia- Que galanteador.
Diego- Apenas educado.
Ana Lúcia- Sua esposa deve ser muito feliz com você.
Diego- Não sou casado.Ainda… Perdão,qual o seu nome ?.
Ana Lúcia- Me chamo Ana Lúcia,e você?.
Diego- Diego Fernandes,a seu dispor.
Ana Lúcia- Não deve demorar a encontrar alguém que lhe faça feliz.Boa noite e bom trabalho.
Diego- Para a senhora também.
Ana Lúcia entra na residência enquanto Diego a observa com um olhar apaixonado.
Cena 6- Residência Bittencourt de Andrade.Sala de estar.
Mariane recebe Ana Lúcia.
Mariane- Amigaaaaa.Eu vi hein.
As duas se abraçam.
Ana Lúcia- Viu o quê? Maluca.
Mariane- Aquele homem,todo de quatro por você.Não viu o olhar dele ?.
Ana Lúcia- Eu sou casada tá.Embora não mereça meu respeito,ele ainda é o pai do meu filho.Tenho que manter a compostura.
Mariane- Blablaba.Falando assim até parece que você concorda com as convenções e todas essas bobagens.Onde está aquela Lucinha rebelde de 20 anos atrás?.
Ana Lúcia- A Lucinha de 20 anos atrás segue viva,mas ela cresceu,amadureceu,e entendeu que precisamos abrir mão de certas lutas para o nosso próprio bem.
Mariane- Uii.Desculpa senhorita Ana Lúcia.
Ana Lúcia- Deixa de ser boba.
Mariane- Trouxe os artigos ?.
Ana Lúcia- Claro,estão na minha bolsa.
Mariane- Ótimo.
Cena 7- No outro dia.Manhã.Ruas de São Paulo.Música de tensão.
Anastácia anda pelas ruas de São Paulo de 1929,procurando pelo endereço que está escrito na carta.
Anastácia- Mas não é possível.Deveria ser nessa rua.E quem escreveu essa carta ? Sobre quem fala ?. Tantas perguntas meu Deus.
Ela finalmente acha o endereço,se trata de um orfanato.Ela entra no local e pergunta à recepcionista.
Anastácia- Bom dia senhorita.Aqui é mesmo um orfanato?.
A recepcionista- Sim senhora.
Anastácia- Será que você pode me ajudar ?.
A recepcionista- Claro,pode falar.
Anastácia mostra a carta a recepcionista.
Anastácia- A pessoa que escreveu essa carta,trabalha aqui ?.
A recepcionista- Não mesmo.
Anastácia- Tem certeza ?.
A recepcionista- Sim.
Anastácia- Mas como a pessoa que escreveu essa carta colocou o endereço daqui ?.
A recepcionista- Creio que a pessoa queira despistar o real local que ela escreveu essa carta.É a única explicação possível.
Anastácia- Obrigada.
Anastácia sai do local decepcionada.
Cena 8- Residência Serra e Dutra Cavalcante.Quarto de Ana Lúcia e Sebastião.
Os dois estão se arrumando.
Sebastião- Já está sabendo da novidade ?.
Ana Lúcia- Sobre ?.
Sebastião- Sobre o seu filho.
Ana Lúcia- Não. E ele é nosso filho.
Sebastião- Ele me contou que está namorando uma jovem estrangeira,e quer nos apresentá-la.
Ana Lúcia- Ah é.Ele não me falou nada.
Sebastião- Claro,quando ele me contou,você estava fora,se divertindo com as amiguinhas.
Ana Lúcia- Da mesma forma que você vive saindo e me deixando sozinha.
Sebastião- Tenho direito.Sou o homem da casa.
Ana Lúcia- E eu,como sou a mulher,tenho que aguentar sua falta de respeito calada ?.
Sebastião- Sim.Além do mais que não preciso te recordar que nem marido e mulher de verdade somos.
Ana Lúcia- Não foi isso que parecia nos nossos primeiros anos de casados.Porque mesmo com sua frieza,na nossa intimidade,você me procurava.
Sebastião- Porque a carne é fraca.E você me provocava.
Ana Lúcia- Não é isso que eu me lembro.
Sebastião- Por pena.Porque é só isso que uma mulher qualquer como você ainda me desperta.Não tem mais a beleza que me seduzia como antes.Não me provoca nenhum sentimento mais.Apenas desprezo e nojo.
Ana Lúcia sente a humilhação e começa a lacrimejar.
Ana Lúcia- Saia agora,vá antes que eu te expulse.
Sebastião- Claro,já terminei de me arrumar.Agora fique com este quarto fedendo ao mofo das suas lembranças,das suas ilusões hipotéticas.Você é tão patética que me dá pena.
Sebastião sai do quarto,e Ana Lúcia começa a chorar.
Ana Lúcia- Como fui chegar nessa situação? O que fiz de tão errado para merecer tudo isso ? Eu não aguento mais.
Cena 9- Praça de São Paulo.
Nestor e Cleo estão passeando pela praça,enquanto a moça come um saco de pipoca.
Cleo- Você não imagina como eu estava morrendo de saudades de você,meu velhinho.
Nestor- E eu mais ainda.Como foram esses dias sem mim ?.
Cleo- Foram torturantes.Estou merecendo um presentinho.
Nestor- Não se preocupe.
Ele tira de uma sacola uma caixa com um colar de brilhantes.
Nestor- Aqui está.
Cleo pega a caixa e a abre,então,se surpreende com o colar.
Nestor- Gostou?.
Cleo- Se eu gostei ? Eu amei.Muito obrigada.Aaaaa (ela dá um gritinho) desculpa.Mas é que eu estou muito eufórica.
Nestor- Só vai realçar sua beleza.
Cleo- Claro,até porque bonita eu já sou.
Cena 10- Joalheria.
Luzia está olhando atentamente as joias na joalheria que tradicionalmente compra seus pertences,até que se interessa pelo mesmo colar que Nestor comprou para sua amante Cleo.
Luzia- Mas este colar é uma beleza.
Uma atendente chega para atendê-la.
Atendente- Gostou ?.
Luzia- Amei.Vou levar esse.Estou precisando renovar minha coleção.
Atendente- Pensava que seu marido já tinha lhe presenteado com esse colar.
Luzia fica confusa.
Luzia- Como assim ? Ele já veio aqui e comprou ?.
Atendente- Sim.Ele comprou por esses dias.Ele ainda não te deu ?.
Luzia- Não.
A atendente percebe que a deixou em uma saia justa.
Luzia- Pode me dizer quantos dias fazem que ele comprou ?.
A atendente- Já faz uns 5 ou 4 dias.
Luzia- Ah sim.Imagino que ele vá fazer uma surpresa para mim.
A atendente- Com certeza.
A atendente sai de perto dela.Luzia está furiosa,mas esconde o que está sentindo.
Luzia (pensamento)- Se ele estiver me traindo… Eu vou descobrir.Ele nem pense em me enganar.
Cena 11- Residência Gaspar Cavalcante.Sala de Estar.
Fernando,que agora está mais velho,mas continua bonito,elegante e jovial,acabou de chegar. Suas malas estão postas no chão atrás dele.Sua mãe e Anastácia o recepcionam calorosamente.
Luzia- Meu filho,que prazer revê-lo.Como foram esses tempos pela cidade maravilhosa?.
Anastácia- Se tivesse me falado teria feito uma torta de banofee que você tanto gosta.
Fernando- Ah minha mãe e minha tia.Eu que tenho muito gosto em revê-las.
Ele abraça as duas.
Fernando- E papai?.
Anastácia- Trabalhando,como sempre.
Luzia- Por favor Anastácia.Quantas vezes tenho que te lembrar que a dona da casa sou eu? .Haja santa paciência.Diga-me,meu filho,gostou de revisitar o Rio de Janeiro?.
Fernando- Sim,a cidade maravilhosa fica cada vez mais maravilhosa.É impressionante a beleza dessa cidade.Apesar que essa minha visita não foi das melhores.
Anastácia- Bem que eu disse Dona Luzia.Essa quebra da bolsa é a maior crise do sistema capitalista.
Luzia- Cale-se e vá para a cozinha que é seu lugar.
Anastácia se retira da sala.
Fernando- Mamãe,não precisava tratá-la dessa forma.Sei que tens ciúmes,mas eu posso me dividir entre as duas.
Luzia- Não imagina como ela anda rebelde e respondona,cada dia mais insuportável.Se pudesse a expulsava de casa imediatamente.
Fernando- Cadê minha irmã?.
Luzia- Na casa dela,sempre lá cuidando de tudo.
Fernando- Teve notícias de Mariane ?.
Luzia- Claro.Ela vive saindo nos jornais por ser uma dessas femi- num sei o quê.É dessas mulheres que vivem nos enchendo de vergonha.Se Conrado fosse vivo,estaria morto de vergonha pela pessoa que a filha se tornou.
Fernando não gosta do comentário da mãe e decide se retirar.
Fernando- Vou à casa de Ana Lúcia.
Fernando não está aguentando o mal humor da mãe.
Cena 12- Frente da Residência Serra e Dutra Cavalcante.
Fernando anda apressado para chegar à casa da irmã,até que é surpreendido e atropelado por Marian
e.Ambos não se reconhecem de longe.
Mariane (dentro de seu carro)- Não olha pra onde anda não?. Imbecil.
Fernando- Ô seu maluco,cuidado quando for sair por aí.
Mariane não aguenta a provocação e sai do seu carro.Fernando se levanta.Ambos se encaram,frente a frente e se reconhecem.Começa a tocar “O Gondoleiro do Amor”.
Mariane- Fernando ?.
Fernando- Mariane ?.
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