Aline dá uma última olhada na fazenda. A câmera dá um close cinematográfico no seu rosto.
Aline - Chegou a hora de retornar.
CENA 01 - MANSÃO LA SELVA - SALA/ESCRITÓRIO - INT/DIA
A câmera passeia pela mansão, revelando vestígios da noite anterior.
Irene desce os degraus devagar. Usa um robe de seda. Seus olhos com olheira, seu rosto limpo. Ela caminha até a porta entreaberta do escritório, onde está Antônio, lendo alguns papéis com a expressão tensa.
Irene(com a voz baixa) - Você em casa a essa hora? A cooperativa pegou fogo e eu não fiquei sabendo?
Antônio - Não. Mas se continuar como está… pode ser que pegue.
Irene franze a testa e entra por completo no cômodo.
Irene - O que aconteceu?
Antônio(suspira) - Tem uma coisa que eu preciso de contar. Já faz um tempo, na verdade. Melhor a gente conversar direito.
Irene se senta no sofá, ao lado dele.
Irene - O que foi, Antônio? Tá me deixando preocupada. Você sabe que eu não gosto de rodeios.
Antônio - Bom… as coisas não estão indo muito bem. A produção caiu, os custos aumentaram, e… a verdade é que a cooperativa entrou numa fase complicada. Tô vendendo alguns ativos pra manter a estrutura de pé.
Irene(assustada) - Como assim “ativos”? Que ativos?
Antônio(pausado) - O terreno onde a Petra mora. Aquele casarão… já tem um comprador. A venda vai ajudar a cobrir parte das dívidas mais urgentes.
Irene leva a mão à boca, em choque.
Irene - E o que vai acontecer com Luigi e Petra?
Antônio - Bom… terão que voltar a viver aqui, não há outro jeito. Eu estou muito preocupado com ela… tudo o que aconteceu ontem… você viu.
Irene(sarcástica) - Ah você se preocupa. Que novidade. Descobriu ontem que a Petra tá fora de controle?
Antônio - Irene… não começa. Não venha me cobrar uma coisa que você mesmo não faz. Se a Petra está assim é por sua culpa, que nunca deu a estabilidade necessária para que ela pudesse se tornar alguém minimamente constante.
Irene - Ah, então você quer jogar a culpa disso tudo que está acontecendo em cima de mim? Eu luto sempre pra manter as boas aparências dessa família, Antônio. Você acha mesmo que eu ia querer ver a minha filha dar um vexame como o de ontem na frente de todo mundo? A culpa é sua por nunca ter superado a morte da sua ex esposa e nunca ter esquecido ela.
Antônio(seco) - Chega! É melhor a gente parar por aqui. Eu estive pensando e acho que vou chamar o Caio de volta.
Irene(se exaltando) - O quê? Não! Caio tá muito bem onde está.
Antônio - Eu não vou mais discutir, Irene. Ele vai ter que voltar pra me ajudar. Não quero mais o meu filho longe de mim, longe dos negócios, podendo assumir o que é dele. É isso ou a falência.
Irene se levanta, caminha até a porta do escritório e, antes de sair, vira-se.
Irene - Se você fizer isso… vai se arrepender.
Ela sai. Antônio, sozinho, abaixa a cabeça. Fecha os olhos.
Antônio(murmúrio, batendo com a mão na mesa) - Droga…
CENA 02 - MANSÃO LA SELVA - MESA DE CAFÉ - INT/DIA
Irene está sentada, cortando um pedaço de mamão.
Vinícius se aproxima beijando a testa da irmã.
Vinícius - Bom dia, mana. Dormiu bem?
Irene(sorri leve) - Mais ou menos. A noite foi longa.
Ele puxa uma cadeira e se senta ao lado dela, pegando um pão.
Vinícius - E como está a Petra?
Irene - Ah, Vinícius. Eu queria me desculpar pelo que a Petra fez ontem. Ela estragou o seu jantar de boas-vindas, e você não merecia.
Vinícius - Ei, para com isso. Não estragou nada. Só me deixou preocupado.
Irene - Ela está enfrentando um momento complicado. Mas vai passar.
Vinícius - Eu senti isso ontem. (ele olha pra irmã com doçura) - Mais tarde eu vou subir no quarto dela. Vou conversar um pouco.
Irene sorri, tocada pela delicadeza do irmão.
Irene - Obrigada, meu irmão. De verdade. Eu… não sei se tô sabendo lidar.
Júlia se senta ao lado da avó.
Vinícius encara a menina com um olhar malicioso.
Corta para:
CENA 03 - PENSÃO DA LUCINDA - SALÃO - INT/DIA
Pérola ajeita as mesas com esmero.
Gregório entra no salão, tomando um café. Ao ver Pérola, se aproxima com um sorriso no rosto.
Gregório - Bom dia!
Pérola - Bom dia, Gregório! O senhor dormiu bem? Gostou das acomodações?
Gregório - Dormi feito uma pedra. Esse sossego aqui… parece que o tempo passa até mais devagar.
Pérola(encostando levemente na cadeira, curiosa) - E o senhor… faz filme mesmo? Desde quando o senhor é diretor?
Gregório - Ah, já faz um tempinho. Comecei como assistente… agora tô aqui, comandando set.
Pérola - Ai… eu sempre achei esse mundo do cinema tão… mágico, sabe? Acho que o meu sonho mesmo era atuar. Desde pequena, eu decorava as falas das novelas pra imitar depois na frente do espelho.
Gregório percebe o entusiasmo dela e esboça um sorriso, percebendo uma brecha.
Gregório - É mesmo? Mas olha só… às vezes o destino dá umas oportunidades curiosas. Tem tanto talento escondido por aí… Me passa seu numero, posso te adicionar, qualquer coisa quem sabe…
Pérola(limpando as mãos no avental) - Tenho sim! Peraí que eu vou te passar. É esse aqui. Se quiser me adicionar…
Gregório - Agora mesmo!
De repente, a voz cortante de Lucinda surge da porta da cozinha, interrompendo bruscamente o momento.
Lucinda(seca, cruzando os braços) - Pérola! Os legumes não vão se picar sozinhos, não. O almoço não vai sair com essa conversa fiada. Venha, anda!
A expressão de Pérola muda bruscamente, ela prende as mãos com força.
Pérola - Sim, mãe… já tô indo.
Ela se vira rapidamente e entra na cozinha, mas antes lança um último olhar de canto para Gregório.
Paisagens do Mato Grosso. Pássaros voando.
(Morena dos Olhos D’água - Gal Costa)
CENA 04 - MANSÃO LA SELVA - QUARTO DE PETRA - INT/DIA
O quarto está semi-escuro. Petra está deitada de lado na cama, olhos abertos, fixos no nada. Seu rosto está inchado de tanto chorar, a respiração é curta, ansiosa.
A porta range suavemente. Vinícius entra, silencioso. Ele observa a sobrinha por um instante e caminha até a cama. Se abaixa ao lado dela. Petra, sentindo a presença, se encolhe ligeiramente.
Vinícius estende a mão e a passa com suavidade pelo braço de Petra.
Vinícius(voz baixa) - Ei… calma… não precisa ficar assim. O titio só veio ver como você tá…
Petra se assusta, dá um sobressalto e se senta rapidamente na cama, puxando a coberta até o pescoço.
Petra(em choque) - Sai daqui… sai do meu quarto…
Vinícius sorri com calma. Ele se aproxima ainda mais e acaricia o rosto dela, um gesto que, na sua distorção, soa violento.
Vinícius - Tão bonita… uma pena ser surtada. Olha, vamos combinar uma coisa?
Ele a segura com força pelo queixo, aproximando o rosto.
Vinícius - Se essa boquinha tão bonita falar alguma coisa… se você ousar dizer uma palavra sobre o que aconteceu… se me constranger na frente das pessoas novamente… eu te mato, ouviu?
Com um movimento frio, ele tira do bolso interno da jaqueta um canivete e o abre lentamente. Petra paralisa.
Ela começa a chorar, o corpo inteiro trêmulo.
Vinícius se levanta lentamente e a larga. Sua expressão volta à serenidade falsa de antes.
Nesse momento, a porta se entreabre novamente. Júlia, com um livro nas mãos, aparece. Ela para ao ver a cena.
Júlia - Tia Petra?
Vinícius se vira na hora, como se nada tivesse acontecido, e abre um sorriso largo e artificial.
Vinícius - Mas olha só… o que a nossa lindinha quer? Vem dar um abraço no titio.
Petra se levanta num pulo e se coloca ao lado da menina.
Petra(ofegante) - Fica longe dela. Júlia, fica atrás de mim.
Vinícius - Petra… que susto. Eu amo a minha família. E agora Julinha faz parte dela também, não faz?
Ele caminha com calma até a porta, olha para as duas e pisca para Petra com a mesma expressão assustadora de antes.
Petra paralisa por alguns segundos. Depois, ela se abaixa perante a menina.
Petra - Fica longe dele, por favor. Se ele te chamar pra qualquer coisa, recusa. Ele não é uma boa pessoa. E me promete que você não vai contar pra ninguém o que viu aqui.
Júlia - Tudo bem, tia.
Petra - Promete!
Júlia - Eu prometo!
Petra abraça Júlia, chorando bastante.
(WILDFLOWER - Billie Eilish)
CENA 05 - CABANA ESCONDIDA - INT/TARDE
Luigi e Irene estão deitados, parcialmente cobertos. Irene acaricia o peito dele, pensativa.
Irene - Você precisa estar mais presente na cooperativa, Luigi. Mostrar que se importa… Antônio já começou a cogitar chamar o Caio de volta.
Luigi se vira, preocupado.
Luigi - De novo essa história? Eu tô tentando, mas conquistar a confiança do velho é difícil.
Irene - Ei… olha como você fala do Antônio.
Luigi - Ih, que foi? Sentiu, foi?
Irene - Luigi, você precisa ir além de “tentar”. Antônio não tá bem… e a cooperativa muito menos. Ele tá começando a tomar decisões impensadas. Inclusive, ele decidiu vender o terreno… o da casa onde você e Petra estão.
Luigi se senta, surpreso.
Luigi - O quê? Como assim? Sem me consultar?
Irene - E ele liga pra isso? Antônio está irredutível. Disse que precisa aliviar as despesas. Foi o primeiro corte que ele fez.
Luigi balança a cabeça irado, mas tenta não explodir. Depois, sorri de lado, malicioso.
Luigi - Bom… pelo menos tem um lado bom nisso tudo.
Irene levanta uma sobrancelha, curiosa.
Irene - Ah, é?
Luigi - A gente se vê mais… com mais frequência, com mais intensidade.
Irene sorri, mas logo se mostra séria de novo.
Irene - A gente deve tomar mais cuidado, Luigi.
Ele segura a mão dela. Eles se encaram. Luigi a beija. O beijo se aprofunda, os corpos se enlaçam.
Corta para:
CENA 06 - NOVA PRIMAVERA - EXT/FIM DE TARDE
As caminhonetes avançam pela estrada de terra. O sol se põe ao fundo, tingindo o céu com tons alaranjados. Dentro de uma das caminhonetes, Aline dirige com as janelas semi abertas, deixando o vento tocar seus cabelos. Ela respira fundo sentindo o cheiro da terra e da saudade.
CAMINHONETE - INT - CONTÍNUO
Aline passa os olhos pelas ruas da cidade. Vê fachadas pintadas de novo, outras em ruínas. Crianças brincam de bicicleta.
Tudo muda e tudo fica.
(Yosemite - Lana Del Rey)
Aline sorri, com os olhos marejados. Passa lentamente em frente a uma antiga escola municipal. Lá, um balanço ainda resiste ao tempo.
Aline(voz embargada) - É como se eu nunca tivesse ido embora… e, ao mesmo tempo, como se eu nunca tivesse estado aqui.
Corta para:
CENA 06 - PRAÇA CENTRAL - EXT/DIA
A caminhonete para devagar. Aline desliga o carro e olha para a praça, a mesma de sua juventude. O coreto ainda é o mesmo.
FLASHBACK - PRAÇA - ANOS ATRÁS
Aline gira e dança ao som de uma música. Risos. Eles dançam, todos felizes.
VOLTA PARA O PRESENTE
Aline desce do carro. Um close na bota tocando o chão de terra batida. Câmera lenta.
A câmera sobe aos poucos e mostra sua roupa elegante. Ela tira os óculos escuros. Os olhos estão vermelhos, cheios, mas sem escorrer lágrimas.
A câmera afasta e mostra Aline por inteiro. Ela encara a cidade, a praça, sua história.
Aline(baixo) - Nova Primavera…
O vento sopra forte. A trilha cresce.
Agatha encara Aline.
(Um Sonhador - Bruno e Marrone)
O dia passa. Amanhece em Nova Primavera.
CENA 07 - CASA DE PETRA E LUIGI - INT/TARDE
Dentro da casa, um grupo de homens bem-vestidos conversam. Luigi observa com o maxilar tenso. Petra está mais ao fundo, sentada, apática. Antônio segura uma caneta.
Antônio - Bom… está tudo certo aqui. Vamos encerrar logo.
Ele assina o último documento. O compra-venda está feito.
Tarcísio - Foi um prazer fazer um negócio com o senhor, doutor Antônio. Agora, oficialmente, o terreno pertence ao novo comprador.
Antes que mais algo seja dito, a porta da frente se escancara. Todos olham.
Irene(entrando com seus saltos) - Desculpem a intromissão. Só queria saber quem é esse tal comprador. Pelo visto é o senhor.
Ela aponta para Tarcísio.
Tarcísio - Não. Na verdade, eu…
Uma voz feminina surge atrás de Irene.
Aline - É uma surpresa, né? Rever todos vocês aqui… juntos… (sorriso irônico)
Eu estava morrendo de saudade.
Todos se viram. Aline está na entrada. Elegante, imponente. Uma mulher completamente transformada. Ao lado dela estão Cândida, Jussara e Jonas.
Irene e Antônio se chocam. Eles ficam pálidos. Petra se levanta com um sorriso no rosto.
A câmera se aproxima do rosto de Aline.
ENCERRAMENTO.
(Lost On You - LP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário