03/06/2025

Terra Vermelha - Capítulo 17





Capítulo 17




 CENA 01 - CLUBE RURAL DE NOVA PRIMAVERA - INT/NOITE


Aline entra e encara o palco com um olhar visceral.

A noite está impecável. O salão envidraçado foi decorado com luzes quentes, arranjos de flores e uma mesa farta. O evento mais aguardado do ano na região começa com toda pompa.


Os convidados conversam entre si, taças de espumante tilintando. No centro, Antônio e Irene La Selva são cercados por autoridades, produtores e jornalistas. Os dois sorriem, cumprimentam, posam para fotos. 

Graça, com um vestido cintilante, segura firme o braço de Caio, que está neutro. Júlia, animada, segura  a mão de Graça, como se fossem a família perfeita.


A câmera mostra Aline do outro lado do salão, em um vestido elegante de corte sofisticado. Ela observa a cena com olhos atentos. 

De repente, uma mão segura sua cintura por trás. É Jonas, sorridente. Ela sorri de volta e os dois se beijam.


Locutor - Senhoras e senhores, boa noite. 

É com grande honra que iniciamos agora a premiação do MELHOR PRODUTOR RURAL DO ANO DE 2025!


Todos aplaudem. Um apresentador sobe, sorridente, com o envelope em mãos.


Rodrigo Apresentador - Este prêmio é concedido àquele ou àquela que se destacou por inovação, compromisso, responsabilidade social e resultados expressivos. E o prêmio de Melhor Produtor Rural do Ano vai para…

ALINE MACHADO!


Os La Selva paralisam. Graça arregala os olhos. Caio fica sem reação.


Caio(pro pai, em choque) - Aline? O que tá acontecendo?


Antônio - É isso mesmo. A tal Aline voltou.


A câmera mostra Aline caminhando até o palco. O salão inteiro se vira pra vê-la. Flashes de câmera explodem. Ela recebe a estatueta das mãos de Rodrigue com um sorriso que beira o deboche contido.


A câmera foca no rosto de Graça, petrificada.


Aline(no palco) - É uma honra enorme estar aqui hoje.  Quando eu comecei, tudo que eu tinha era um sonho. As águas não eram tão mornas quanto são hoje. Mas eu nunca estive sozinha. Agradeço a Cândida, que é parte da minha família (ela aponta para Cândida). Agradeço ao meu namorado, Jonas.


Caio muda de expressão no exato momento. Ele se vira rapidamente e encara Jonas.


Aline(continuando) - Ele sempre esteve ao meu lado mesmo quando tudo parecia impossível. E não posso deixar de citar Jussara, minha vó. Ela me criou sozinha, com muita luta, muita garra. Sem ela, isso também não seria possível.


Flashes. Todos aplaudem, menos os La Selva. Um a um, eles se levantam. Antônio sai primeiro. Irene segue com frieza. Graça hesita. Ela encara Aline como se estivesse diante de uma inimiga de guerra.


Close na Aline. Ela observa os La Selva se retirando com um meio sorriso satisfeito.


De repente, Graça se vira, gritando.


Graça(voz alterada, escandalosa) - Isso é um absurdo! Esse prêmio era do Antônio! Essa mulherzinha não sabe de nada!


Um burburinho toma o salão. Graça perde o controle, avança alguns passos.


Graça - Isso é um ultraje! Os La Selva sempre venceram esse prêmio, sempre! Vocês não sabem o que estão fazendo! 


A câmera mostra os olhos de Aline, levemente debochados. Ela desce do palco com elegância.

As duas mulheres se encaram.


Aline(irônica) - Que horror! Uma mulher que me parecia tão chique, tão distinta. Descer do salto assim, dessa forma baixa. Não imaginava.


Caio(abraçando Graça por trás) - Chega, Graça. Vamos embora.


Aline e Caio se encaram.

Ele arrasta Graça. O salão inteiro observa. As câmeras seguem o escândalo.

Aline sorri. Plena. Vitoriosa.


Corta para:


(Um sonhador - Bruno e Marrone)


Paisagens do Mato Grosso. 

O sol nasce.


CENA 02 - LOJA DA GRAÇA - INT/MANHÃ


A loja está em funcionamento, atendentes organizam prateleiras e alguns clientes circulam. Graça entra com óculos escuros, mas visivelmente irritada depois do vexame no evento. Ao cruzar a porta, ela já começa a observar os detalhes e inspecionar discretamente os funcionários.


De repente uma mulher se aproxima. É Lúcia, vestida de forma simples. Graça estranha a sua presença.


Lúcia - Graça La Selva?


Graça(séria, sem reconhecê-la) - Sou eu. Como posso ajudar?


Lúcia - Não me reconhece? Meu nome é Lúcia. Eu queria muito conversar com você… em particular.


Graça(impaciente) - Olha, se for pra vender alguma coisa, fala com a gerente.


Lúcia - Eu sou a mulher do Tião.


Graça congela por um segundo. O nome faz efeito. Ela rapidamente recupera a postura, mas sua expressão denuncia o susto.


Graça - E o que eu tenho a ver com isso?


Lúcia -  Ele morreu. Mas antes de morrer… ele me contou tudo.


Graça(alerta) - Tudo o quê, exatamente?


Lúcia - Você sabe muito bem do que eu tô falando. Do que você fez naquele dia. Do que mandou o meu marido fazer.


Graça(ri de forma seca) - Você só pode estar delirando, minha querida.


Lúcia - Não se faça de santa. Se lembra das gravações das câmeras de segurança que você pediu pra ele dar um jeito? Elas ainda existem.


Graça perde a compostura.


Graça(baixando o tom, tensa) - O que você quer?


Lúcia - Podemos conversar a sós?


Graça leva ela até o escritório da loja.


Graça - Pronto. Estamos sozinhas aqui. Pode falar.


Lúcia tira da bolsa um pedaço de papel dobrado e estende para Graça. Ela pega e desdobra. É uma quantia alta, escrita à mão.


Graça(irritada) - Você enlouqueceu? Acha que assim que as coisas funcionam?


Lúcia(cortando) - Acha que eu me importo com o que você acha? Ou você paga… ou vai ter que explicar  muita coisa pra polícia. Você escolhe. Esse pode ser o preço do meu silêncio.


Graça - E todo aquele dinheiro que eu dei pro seu marido?


Lúcia - Ele gastou tudo. Sofreu golpe atrás de golpe. E não sobrou mais nada. Ele morreu numa cama, doente, sem dignidade. 


Graça se afasta. Caminha de um lado ao outro. Está furiosa, mas sabe que perdeu o controle.


Graça - Tá bom. Então vamos fazer um trato. Eu te entrego a quantia que você quer, e você me entrega todas as imagens das câmeras. 


Lúcia - Pode ser… nada mais justo. Pode me encontrar no silo de grãos da fazenda que faz divisa com a sua. É da nova ganhadora de melhor produtor rural, Aline. Vou fazer hora extra porque uma das máquinas quebrou. Estarei te esperando lá.


Graça - O que? Aquela fazenda é da Aline? Achávamos que…


Lúcia - Pois é! Olha só que perigo! Não precisaria de esforço nenhum pra contar pra ela.


Graça - Tudo bem. A gente se vê lá, então.


Lúcia se vira e sai. Graça a observa com ódio.


Graça - Desgraçada…


(LLYLM - ROSALÍA)


CENA 03 - MANSÃO LA SELVA - MESA DE CAFÉ - INT/MANHÃ


Antônio e Caio tomam café em silêncio. O som do jornal sendo folheado quebra o silêncio. Antônio abre a página principal com um estalo seco. No destaque:


“Aline Machado é eleita Melhor Produtora Rural de 2025”

“Uma noite de glória… e escândalo”


Fotos estampam a matéria. Aline sorrindo, linda e poderosa no palco. Ao lado, a imagem de Graça gritando e sendo contida por Caio. Antônio e Irene aparecem desconcertados ao fundo.


Antônio - Foi um vexame… Olha isso.


Caio finge não se abalar, mas está incomodado.


Caio - Não entendo como ela conseguiu. Ela mudou muito.


Antônio - Ela voltou. E voltou pra destruir o que a gente construiu. Só que isso não vai ficar assim.


De repente, Irene entra em cena. Toda de preto, elegante, com óculos escuros. Ela caminha com pressa, fumando um cigarro.


Antônio(erguendo o tom) - Irene? Aonde você vai?


Sem responder, ela cruza a porta e desaparece.


Corta para:


CENA 04 - CEMITÉRIO - EXT/MANHÃ


Irene caminha entre os túmulos com um buquê de flores brancas. Ela parece menor diante da imensidão do cemitério. Ela para diante do túmulo de Daniel.

Irene se ajoelha, posiciona as flores com delicadeza. Seu rosto treme, lágrimas escorrem sob os óculos escuros que ela finalmente retira.


Irene(sussurrando, chorando) - Meu filho… Foi uma injustiça o que fizeram com você. Você não merecia isso, Daniel.

Eu te amo… e vou te amar até o dia em que eu for me encontrar com você.


De repente, uma risada estrondosa ecoa entre os túmulos. Irene se assusta, se vira com um movimento rápido. Surge Agatha, de branco, um sorriso cruel nos lábios. 


Agatha - Mas que cena linda…

A câmera foca no rosto de Irene, enquanto o instrumental cresce. 


Irene(chocada) - Você…? Agatha? 


Agatha(sarcástica) - Chocada, querida? Pensou que eu estava morta? Eu voltei, meu amor. E voltei pra te ver apodrecer.


Irene - Desgraçada! O que você quer? Você tá com a Aline nessa? Meu Deus, é óbvio!


Agatha faz silêncio. Seus olhos brilham com malícia.


Agatha(cruel) - O melhor que podia ter acontecido a ele foi essa morte. Ele foi poupado de ver o que vai acontecer com você.


Irene avança, mas Agatha é mais rápida. Ela arranca as flores do túmulo e começa a bater com elas na lápide, quebrando todas elas. Irene grita, chorando.


Agatha - Você não sabe da missa a metade, Irene. Você não faz ideia.


Agatha ri, vira as costas e vai embora, sem pressa. Irene se ajoelha perante ao túmulo. As flores despedaçadas no chão.


A trilha sobe com um instrumental dramático e crescente. Uma revoada de pássaros corta o céu nublado.


CENA 05 - PENSÃO DE LUCINDA - QUARTO DE PÉROLA - INT/FINAL DE TARDE


Pérola está sentada na cama. Ela respira fundo e liga para Gregório. Ele atende.


Gregório - Alô?]


Pérola(tentando parecer casual) - Oi… é a Pérola. Eu queria saber se surgiu alguma chance… De fazer o teste pro filme. Se tem algum papel que seja a minha cara.


Do outro lado, silêncio por uns segundos. Depois, a voz de Gregório muda levemente. Mais lenta, mais insinuante.


Gregório(malicioso) - Mas é claro que tem. Tem sempre um papel certo. Se você quiser, eu passo aí essa noite. Te trago pra fazer um teste.


Pérola hesita por um segundo. Mas depois, força um sorriso, mesmo soando nervosa. Um instrumental sombrio começa a tocar.


Pérola - Tá bom… eu vou te esperar.


Ela desliga. A câmera foca em seu rosto. Ela sai do quarto, anda distraída pelo corredor. Algo chama a sua atenção. Uma leve fresta na porta do quarto da mãe. Curiosa, ela se aproxima em silêncio. A câmera nos mostra o que ela vê.


Lucinda está em pé, diante do delegado Marino. Os dois em um clima íntimo. Lucinda parece nervosa, gesticula.


Lucinda - Eu não posso fazer isso, Marino… eu sou casada, minha filha está lá fora…


Marino - A gente se ama, Lucinda. E não dá mais pra fugir disso. Nem você, nem eu.


Os dois se olham por alguns segundos. Então se beijam. Um beijo apaixonado, escondido, com culpa. Do lado de fora, a câmera fecha no rosto de Pérola, petrificada.


Pérola vai desesperada até o quarto do pai. Ele imóvel, na cadeira de rodas, com o olhar perdido. Ele não fala, não se move. Pérola se ajoelha diante dele, ofegante.


Pérola - Eu nem deveria te contar isso. Você é um fardo na minha vida. Mas… o senhor não vai acreditar no que eu vi. A mãe tá beijando o delegado Marino! Dentro do quarto dela! Eles estão te traindo.


Ela se levanta devagar. O rosto endurece.


Corta para:


CENA 06 - SILO DE GRÃOS - EXT/NOITE


Graça chega sozinha, caminhando com passos firmes. Traz uma pasta preta nas mãos. Ela para diante da entrada lateral do silo, observa ao redor.


SILO DE GRÃOS - INT/NOITE


A estrutura é enorme, metálica, abafada. O som de passos ecoa. Lúcia já está lá dentro. Ela sorri ao ver graça.


Lúcia - Até que enfim, hein. Achei que ia me deixar plantada aqui.


Graça(nervosa, mas contida) - Tá aqui. A quantia toda. Agora me entrega.


Graça estende a pasta. Lúcia pega e confere.


Lúcia(rindo) - Pensei que fosse me passar a perna. 


Graça - Agora me dá as filmagens.


Lúcia - Então… é que eu pensei melhor. E decidi que isso aqui…

(levanta um pen drive)

não vale só isso.


Graça(furiosa) - Como é?


Lúcia - Tem mais gravação. Eu guardei uma cópia, claro. Vai que você resolve sumir comigo também, né? Quero o triplo. Graça. Ou isso aqui vai parar nas mãos da polícia.


Graça se aproxima, tensa, o rosto transtornado.


Graça - Você tinha prometido. A gente tinha um acordo!


Lúcia(cínica) - Prometi? Onde?

Graça se enfurece. De repente, seus olhos fixam algo no chão. Uma barra de ferro.


Ela avança um passo.


Graça(sussurrando) - Desgraçada…


Graça pega a barra em um golpe rápido e dá uma forte pancada na cabeça de Lúcia. Ela cai, mas não apaga completamente. As duas começam uma luta corporal tensa, brutal, lutam com unhas e dentes.


Graça consegue se impor, dá mais duas pancadas. Lúcia para de reagir. Cambaleando, ofegante, Graça a puxa pelos braços e a arrasta.


A porta de aço do compartimento inferior do silo está aberta. Graça joga o corpo de Lúcia lá dentro. 


Graça fecha a porta com força. Olha pra cima. Uma alavanca metálica. Ela puxa.


O som é ensurdecedor. Grãos começam a cair, uma avalanche dourada e seca, que cobre o corpo de Lúcia aos poucos. Ela desaparece completamente por debaixo dos grãos, sendo soterrada.


O silêncio volta. Graça está em choque, paralisada diante do que fez. O olhar fixo. Uma lágrima escorre. Ou seria suor?


(Heart-Shaped Box - Nirvana)


A trilha sobe. A câmera dá um close no rosto de Graça.


ENCERRAMENTO.






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