Capítulo 01
São José dos Campos - 1992
Cena 01 - Amanhecer na Fazenda dos Pais de Aline
Planos bonitos da paisagem do interior de São Paulo. O dia nasce sobre uma tímida plantação. Judite(mãe) está sentada na pequena mureta da varanda, tomando café. Paulo(pai) termina de selar o cavalo. Eles são um casal simples, trabalhadores e orgulhosos da terra que construíram.
Judite(olhando a plantação) - Deus tá caprichando nesse céu, Paulo…
Paulo - Caprichando… mas tem nuvem chegando também.
Ele vê, ao longe, uma caminhonete preta parada na estrada de terra, o que não é tão comum. Judite também olha preocupada.
Paulo vai até a porteira. Ao se aproximar, dois homens descem da caminhonete. Um deles, Décio, é um capanga dos La Selva. O outro, Oscarino, é um advogado do latifundiário Teodoro La Selva, pai de Antônio. Eles vêm em nome do dono das terras vizinhas, que está de olho nos limites da fazendinha.
Oscarino - Essa cerca ta invadindo uns bons metros, Paulo. O juiz já deu ganho de causa ao doutor Teodoro. Você sabe.
Paulo - Sei que essas terras são minhas, eu plantei cada palmo com a minha mulher. Não tem juiz que tire isso da gente.
Décio - Tem juiz e tem bala, se precisar.
Judite se aproxima com receio.
Judite - Paulo, o que tá acontecendo?
Paulo - Fica calma, mulher. Tá tudo certo.
Oscarino - O senhor vai se recusar a mudar a cerca?
Paulo - Não mudo de forma alguma.
Oscarino - Tá certo, tenham um bom dia. Vamos, Décio.
À noite. Paulo está saindo da lavoura, carregando seus materiais. Judite recolhe roupas do varal. Silêncio. Até que…
CRACK. Um galho se parte. Judite se vira procurando, mas nada. Paulo entra em casa. Um vulto passa por trás de Judite. A câmera acompanha a entrada deles. Corta pra dentro da casa.
De repente a porta da cozinha é arrombada. Dois homens entram mascarados e disparam sem dó nem piedade. Paulo tenta pegar a espingarda, mas é rendido. Eles o ajoelham em frente Judite e atiram em sua cabeça. Judite também é assassinada.
Um silêncio perdura pela casa. Os homens colocam fogo no pequeno casebre.
Nova Primavera, Mato Grosso - 1992
A câmera sobrevoa uma imensidão de verde. Chapadões, rios tortuosos, pequenos lotes de terras. O céu começa a se alaranjar. Um estradinha de terra corta a mata, levando até uma pequena clareira onde fica um casebre de madeira envelhecido.
Jussara, com as mãos calejadas, varre o chão de terra batida. Ouve-se, ao fundo, um choro de bebê, é Aline.
Ela para de varrer, sorri com ternura e entra no casebre. Lá dentro, o lugar é simples, tem um fogão à lenha, mesa de madeira, santos num altar de parede descascada, e um berço improvisado coberto com um mosquiteiro.
Jussara - Shh, minha flor… vovó já está aqui. Tá tudo bem…
Mais tarde, com o sol já alto. Jussara está lavando roupas no tanque, no quintal. Canta baixinho. O som de cascos de cavalo na estrada de terra faz com que ela se vire. Severino, com uma expressão grave, desce do cavalo e tira o chapéu da cabeça. É conhecido da família, antigo compadre de Paulo.
Jussara - Ué, compadre? Que surpresa boa… O que te traz aqui debaixo desse sol quente?
Jussara percebe algo estranho na sua expressão.
Severino(demora a falar e abaixa a cabeça) - Eu não queria ter vindo nunca se fosse pra dar essa notícia pra senhora, mas eu não podia deixar a senhora saber pela boca dos outros.
Jussara - Fala logo, homem de Deus!
Severino tira um envelope da bolsa presa ao cavalo. Ele estende com a voz embargada.
Severino - Compadre Paulo e comadre Judite… Cometeram uma injustiça, dona Jussara. Invadiram a fazendinha que eles estavam construindo lá e… mataram eles.
Jussara deixa cair a bacia de roupa. As mãos tremem. Aline, no berço, começa a chorar de longe, como se sentisse.
Jussara - Não… não… Eles iam me mandar notícia, Paulo prometeu! Ele…
Jussara tenta se firmar no tanque. Severino se aproxima e segura o braço dela.
Severino - Fui eu que vi com esses olhos. A polícia fingindo que investiga. Foi coisa de gente grande, dona Jussara. Muito dinheiro por trás disso.
Jussara cai de joelhos na terra seca.
Jussara - JUDITE! Minha filha…
Severino (sussurra) - Coitadinha da Aline, que tristeza essa menina sem os pais.
Jussara levanta o rosto, os olhos estão úmidos, em choque. Ela olha na direção da casa, onde Aline chora sozinha.
Ela se levanta com dificuldade, entra, pega Aline no colo e segura como se fosse a última coisa do mundo.
Jussara - Calaram a boca da sua mãe, mas você ainda vai falar por ela… Eles acharam que enterraram tudo, mas deixaram a semente.
ABERTURA.
23 anos se passam…
(Nuvem de Lágrimas - Fafá de Belém)
A câmera sobrevoa as plantações da Fazenda La Selva, imensa e próspera, com o casarão imponente ao centro. Campos de soja cercam a mansão de arquitetura colonial, reformada em estilo neoclássico, com colunas brancas e sacadas elegantes. Os funcionários vão e vêm, os tratores roncam ao longe.
Um cavalo surge trotando com força. Sobre ele, vem Aline, agora com 23 anos. Cabelos ao vento, roupas simples, um olhar inocente misturado com firmeza. Para diante da entrada de serviço da casa.
Cena 02 - Mansão La Selva - INT/DIA
Angelina, a governanta da casa, ajuda as cozinheiras nos afazeres da cozinha. Ela está aflita, observando sempre o relógio. De repente, a porta da cozinha se abre bruscamente.
Irene surge impecável em seu robe de seda vinho, maquiagem já feita, bem leve, entra como um furacão.
Irene(venenosa) - Onde está Aline? Porque já passou da hora dela estar aqui. São oito e quinze.
Angelina(assustada) - Dona Irene, ela já está chegando. Vem sempre a cavalo, e hoje o pasto tava alagado, ela avisou que podia atrasar um pouco…
Irene - Eu não pedi para que desse explicações no lugar dela, muito menos um relatório do clima. Se eu dependesse de vocês…
A porta de trás se abre. Aline entra, amarrando o avental do uniforme.
Aline - Dona Irene? Bom dia. Me perdoe pelo atraso.
Irene - Que bom que resolveu aparecer. Espero que lave essas mãos antes de pegar nas minhas coisas.
Aline não responde, engole seco, abaixa os olhos e vai direto lavar as mãos na pia. Irene gira nos saltos e sai.
(Sala de estar):
Daniel, elegante, loiro, de sorriso fácil, está sentado ao lado de Graça, uma moça bonita, de sorriso artificial. Irene entra.
Daniel - Caio volta hoje, sabia? Tô com tanta saudade dele. É até estranho a gente longe assim um do outro, ele tanto tempo em Cuiabá…
Graça se anima de um jeito diferente ao ouvir sobre Caio.
Graça - Ah, o Caio. Realmente, tem bastante tempo que a gente não se vê.
Irene chega mudando de assunto.
Irene - Se não fosse eu pra botar ordem nisso aqui. Mas mudando de assunto… quando que eu vou ter um netinho correndo por essa sala? Já tá na hora de preparar o enxoval, né?
Daniel(seco) - Não acha que tá cedo demais pra isso, mãe?
Graça(falsamente) - Ai eu adoro criança! Sempre sonhei em ter pelo menos uns dois filhos.
Irene - Um só, Graça. Um só, entendeu? Eu tive dois. Daniel foi o sonho, um filho que eu sempre quis, mas a Petra… se eu pudesse ter voltado atrás. Eu nunca quis ter mais de um filho, aí veio ela, me desfigurou toda. Uma tragédia estética.
Silêncio no ambiente. Petra surge no pé da escada, ouvindo tudo.
Irene(fingindo ternura) - Mas olha só quem chegou… minha menina! Senta aqui, Petra. Me conta, como tá o namoro com o Luigi?
Petra(com a voz baixa) - Tá indo…
Irene - Tem que se soltar, filha. Um casal que se ama tem que ter mais intimidade. Pelo que eu vejo, você é tão fria com ele, tem que ser mais saidinha.
Irene olha para Graça.
Irene - E olha que ele é um ótimo partido, de família italiana, cheio de tradição. E cá entre nós, é um homão. Imagina vocês dois juntos, hein?
Petra força um sorriso, mas passa a mão pela nuca, coça o pulso e balança os pés, claramente desconfortável. Seu coração acelera e ela se retira dali.
Aline surge com uma bandeja de prata, servindo café. Coloca sobre a mesa de centro. Quando se aproxima de Daniel, ele a observa com um olhar malicioso.
Daniel - Muito obrigado, Aline.
Aline - Com licença.
Aline sai rapidamente. Daniel observa com desejo. Irene nota, mas finge não perceber.
(Na cozinha, mais tarde):
Aline guarda a louça sozinha. Daniel entra, fingindo casualidade.
Daniel - Você serve bem… em todos os sentidos. Você é bonita demais, sabia? Nunca fiquei com uma moça assim tão… rústica.
Aline(séria) - Eu só vim trabalhar. Poderia, por favor, parar com isso.
Daniel - A fazenda é grande. Ninguém precisa saber.
Aline recua, assustada. Ele passa a mão de leve pelo braço dela. Ela se esquiva e dá um tapa na cara de Daniel.
Daniel - Olha… tá se fazendo de difícil. Você é selvagem, eu gosto disso.
Aline - Sai daqui senão eu vou gritar. Eu nunca vou ficar com você. O senhor tem uma noiva, será que não percebe que eu não quero?
Daniel - Isso é o que nós vamos ver...
Ele sai, deixando o rastro de incômodo. Aline permanece parada, tremendo levemente. Enxerga-se no reflexo da colher o seu desespero, respirando fundo.
(Noturno Coração Alado - Fagner)
Cenas mostram as paisagens do Mato Grosso. Os pássaros voando e o entardecer.
Uma caminhonete avança pela estrada de terra batida, levantando poeira. A porteira da fazenda se abre. Um vaqueiro tira o chapéu em sinal de respeito.
Corta para o interior. Caio La Selva, 24 anos. Ele respira fundo ao ver que está em casa. O carro estaciona em frente à varanda imponente. Ao lado da porta estão três pessoas: Daniel, Irene e Antônio La Selva.
Daniel abre um sorriso e vai de encontro a Caio.
Daniel - Seu safado! Você demorou!
Os irmãos se abraçam forte, com tapas nas costas e risos abafados.
Caio - Já tava na hora de voltar, né?
Antônio caminha até eles.
Antônio - Meu filho! Que saudade que eu tava de você!
Caio se vira sério, mas respeitoso. Encara o pai e estende a mão. Antônio puxa ele num abraço seco e forte.
Caio - Também estava, meu pai.
Irene observa com um sorriso contido, seu olhar é de frieza.
Irene - Como vai, Caio?
Caio - Tudo bem, Irene?
Antônio abraça os filhos pelos ombros.
Mais tarde…
(Morena dos Olhos D’água - Gal Costa)
Caio vai até à cidade, em busca de se reconectar e com saudade de assistir e de até participar das danças.
Ele para o carro perto da praça que está super iluminada com luzes e enfeitada com outras coisas. A roda do Siriri acontece lá no centro, perto da igrejinha. Ele se aproxima e enxerga lá no meio Aline, deslumbrante dançando. Eles trocam olhares.
ENCERRAMENTO.

Nenhum comentário:
Postar um comentário