Capítulo 02
CENA 01 - PRAÇA CENTRAL DE NOVA PRIMAVERA - EXT/NOITE
Luzes coloridas estão espalhadas entre as árvores e a música do Siriri agita o pessoal. Aline gira no centro da roda, leve, iluminada. Caio a observa fascinado.
Impulsionado por algo além da razão, Caio avança em direção à roda.
Ele entra na roda e dança ao lado de Aline. O pessoal começa a bater palmas. Os dois tem uma sincronia quase mágica. Caio acompanha seu giro e bate palmas no tempo certo.
A música vai cessando aos poucos. Algumas pessoas se dispersam, outras conversam animadas. Aline, suada da dança, segura a saia com uma das mãos, indo até um canto mais tranquilo pra respirar. Caio observa de longe, encantado. Ele se aproxima com um sorriso discreto.
Caio - Você dança como se tivesse nascido no ritmo.
Aline - E você fala como quem quer puxar assunto com qualquer desculpa.
Caio(rindo) - Talvez. Mas no seu caso, é verdade.
Caio estende a mão pra cumprimentá-la.
Caio - Sou o Caio.
Aline - Muito prazer, meu nome é Aline.
Caio - Nome bonito.
Aline - Minha avó que escolheu. Disse que combina com essa terra quente e vermelha e com gente teimosa.
Aline pausa e olha pra ele.
Aline - Você é daqui mesmo?
Caio - Nasci e fui criado aqui até uma certa idade, depois fui pra capital estudar… Tem algo nesse lugar que me puxa de volta, sabe?
Aline observa como quem reconhece uma sinceridade rara.
Aline - Nova Primavera é assim, a gente até sofre, mas cria raíz. Só tem que tomar cuidado pra não secar.
Um silêncio confortável surge. Os dois se olham. Um início de conexão começa a aparecer. Então Aline quebra o momento, um pouco tímida.
Aline - Mas agora eu preciso ir. Amanhã eu acordo cedo e eu moro longe do trabalho, então cê já viu.
Caio - Você mora muito longe?
Aline - Ah, um pouco, uns bons quilómetros aí pra dentro. Mas vale a pena vir pra dançar.
Caio - Eu posso te dar uma carona. Tô de carro.
Aline(nervosa, defensiva) - Não precisa… eu tô acostumada a ir a pé. E eu exagerei também, nem é tão longe assim.
Caio(insiste com leveza) - Que isso. Tudo bem que não precisa, mas eu faço questão.
Aline encara surpresa com o jeito dele. Ela sorri meio vencida.
Aline - Tá bom. Eu vou te mostrando o caminho.
CENA 02 - MANSÃO LA SELVA - INT/NOITE
A casa está silenciosa, exceto por um som abafado de grilos vindo do jardim. O quarto de Daniel está com a porta entreaberta. Ele está deitado sobre a cama, olhando para o teto, inquieto. A luz do abajur está acesa. Irene passa pelo corredor com um robe de cetim escuro, e para ao notar a luz.
Irene - Não consegue dormir, meu filho?
Daniel ergue os olhos um pouco surpreso, mas já acostumado.
Daniel - Tô pensando na vida, só isso.
Irene entra bem intrometida.
Irene - Na vida ou também tá pensando naquela empregadinha?
Daniel se senta na cama meio constrangido.
Daniel - Do que a senhora está falando?
Irene - Acha que eu não percebi o jeito que você olhava pra ela? E não foi um episódio avulso, eu percebo isso tem uns dias, desde que ela entrou aqui recentemente. A Graça não é burra, vai acabar descobrindo.
Daniel - Talvez eu queira que ela descubra. Eu gosto dela, mãe!
Irene - Como é? Você enlouqueceu?
Um silêncio pesado. Irene respira fundo.
Daniel - Ela é diferente, me interes
sa de verdade, eu sinto algo por ela. Com a Graça eu não sinto absolutamente nada. Sem contar que a Graça é muito mimada.
Irene - Meu filho, você precisa entender uma coisa. Em famílias como a nossa, casamento é aliança, não romance barato. Você acha que seu pai vai aceitar que você se case com uma empregada? Não desmerecendo a função, se não fosse por elas… Mas ele não vai ter em você a confiança que deveria, te deixar como o grande responsável por tudo. O Caio voltou, e adivinha?
Daniel desvia o olhar, irritado, mas atinge o ponto fraco dele.
Irene - Antônio sempre olhou diferente pra ele. Porque Caio é filho da outra. Da primeira mulher. A que ele amou de verdade. Se você der brecha, Caio te engole. E se a Graça sair da jogada, perde até o apoio da família dela que tanto nos interessa.
Ela se levanta, ajeita o robe, e antes de sair, lança um último olhar potente.
Irene - Se quiser brincar com a empregadinha, faça como seu pai faria. Com discrição. Mas não se apaixone.
CENA 03 - ESTRADA DE TERRA - EXT/NOITE
O carro avança pela estrada que leva até o casebre onde Aline mora. A luz da lua ilumina a noite. Aline olha pela janela.
Caio - Você mora aqui há muito tempo?
Aline - Desde pequena. Minha avó me criou nesse pedaço de terra. A gente não tem muito, mas tem sossego. Pra minha avó, é isso que vale.
Caio - E pra você? Não parece que isso valha tanto.
Aline - Vale. Eu amo esse lugar. Por isso mesmo que eu tenho o sonho de cuidar dessa terra e fazer crescer. A gente não tem muito, eu comecei a trabalhar agora, mas com esse dinheiro eu quero investir nessas terras, plantar e colher, sabe?
Caio - E é um ótimo sonho! Talvez eu possa te ajudar nisso.
O carro estaciona em frente ao casebre de madeira. Aline já com a mão na maçaneta do carro.
Aline - Obrigada pela carona, Caio.
Caio - Espera! É… você vai estar amanhã no Siriri?
Aline sorri, tímida.
Aline - Tenho que ver, dependendo do quão cansada eu vou estar, mas a gente se vê. Mais uma vez, obrigada.
Caio - Boa noite!
Ela entra e Caio fica alguns segundos parado, como quem acabou de viver algo importante sem perceber.
Aline entra no casebre e encontra a avó sentada, assistindo televisão.
Jussara - Minha filha, que bom que você chegou, tava preocupada.
Aline - Vó, eu parei na praça pra dançar um pouquinho.
Aline se senta ao lado da avó e começa a fazer carinho na cabeça dela.
Jussara - O que aconteceu? Eu conheço essa cara quando você tá feliz, essa cara de boba.
Aline(sorrindo) - Que cara? Aconteceu nada.
Jussara - Vai esconder da sua avó mesmo, Aline?
Aline - Não foi nada, só um rapaz que eu conheci lá no Siriri. Ai vó, ele é lindo, tem um jeito tão diferente assim, sabe. O jeito que ele me olha é tão especial, ai vó acho que tô apaixonada.
Jussara - Isso porque não foi nada, olha só.
Aline - Não sei, não sei. Ele tem bastante dinheiro, isso deu pra ver. Ai, vó, vou tomar um banho e me deitar, amanhã é mais labuta.
Cenas da fazenda amanhecendo. Galos cantando, vaca mugindo, cavalo relinchando.
CENA 04 - MANSÃO LA SELVA - INT/MANHÃ
A mesa está posta com frutas, pães, queijos, sucos e bolos. Antônio está sentado à cabeceira. Irene, Daniel e Caio estão sentados. Petra ainda não desceu.
Antônio(enfático, com um pão na mão) - O problema desse país é que agora qualquer pessoa pode mandar em qualquer assunto sem o mínimo de conhecimento. Tão destruindo o agro com essas leis ambientalistas idiotas. Terra é pra produzir.
Irene - Você sempre tão… esclarecido, Antônio.
Caio - A questão ambiental precisa ser tratada com responsabilidade, meu pai. O futuro da produção tá ligado a isso também.
Antônio - É… o meninão voltou da capital com toda pompa, né? Aqui a gente resolve no braço, no trato direto. Hoje mesmo vou te levar na cooperativa, Caio. Pra ver de perto como as coisas funcionam de verdade.
Irene abaixa a xícara com força no pires, incomodada. Daniel desvia o olhar irritado.
Irene - Já vai levar o Caio lá, meu amor?
Antônio - Já passou da hora, Irene.
Antônio se levanta, dá um tapa nas costas de Caio. Eles saem. Assim que os dois somem pelo corredor, Irene se inclina na direção de Daniel.
Irene - Você tá vendo né? Ele tá conseguindo.
Daniel se cala. Nesse instante, Aline surge discretamente segurando uma nova jarra de leite. Ela se aproxima da mesa.
Aline - Com licença, dona Irene. O leite esfriou, trouxe outro mais quente.
Daniel ergue os olhos e encara Aline com um olhar lento, invasivo, carregado de desejo. Aline percebe, fica desconfortável, evita o olhar dele. Irene percebe.
Irene - Aline, sirva um pouco de suco pra mim.
Aline obedece.
Caio retorna, pois esqueceu uma coisa e voltou pra pegar.
Aline e Caio se encaram.
Caio - Você?
Irene - Vocês já se conhecem?
Caio - É… na verdade, a gente se conheceu ontem, mas eu não sabia que era aqui que você trabalhava, Aline.
Aline - Pois é. E eu não sabia que o senhor era filho do doutor Antônio La Selva.
Daniel fica um pouco desconfortável, vendo Aline e Caio se olhando cheios de conexão e paixão.
Irene - Voltou porque, Caio?
Caio - Ah, eu só vim buscar a chave da minha caminhonete que eu esqueci. Tenho que ir agora, depois eu quero conversar com você, tudo bem?
Aline assente com a cabeça e Caio volta.
Irene - Meu suco, querida!
Aline - Ah, sim senhora.
Daniel volta a encarar daquele jeito invasivo. Quando Aline se aproxima de Irene, a mão treme. Ela serve o suco e um pouco escorre e respinga na blusa clara de Irene.
Irene - Mas que maravilha… suco no meu conjunto de seda.
Aline - Me desculpe, senhora… foi sem querer…
Irene - Sempre é. Parece mais que eu contratei uma palhaça. Como você não sabe nem servir um suco direito, garota?
Irene se levanta, puxa o guardanapo com força e sai pra se limpar. Daniel aproveita também.
Ele sai discretamente e encontra Aline no corredor que liga a sala à cozinha. Ela carrega a bandeja. Daniel a bloqueia, ficando entre ela e a passagem.
Daniel - Aline, eu preciso falar com você.
Aline - Agora não, seu Daniel.
Daniel(aproxima demais) - Eu não consigo parar de pensar em você. Eu tô ficando maluco. Ontem, hoje… você entrou em mim de um jeito que eu não sei explicar.
Aline recua.
Aline - Me deixa passar.
Graça entra na casa sem que eles percebam e escuta a conversa de Daniel. Ela para atrás de uma coluna e fica ouvindo.
Graça(sussurrando) - Doido com ela, Daniel?
Angelina sai da cozinha chamando Aline.
Angelina - Aline, tem louça te esperando! Vamos!
Graça percebe e volta pra porta da casa, sem que a vejam.
Daniel retorna em direção a saída e Graça aparece.
Graça(o beijando) - Meu amor! Que bom está aqui. Vamos?
Daniel - Pra onde?
Graça - Resolver as pendências do nosso casamento. É daqui um mês.
Daniel - AH, sabe o que é? Eu marquei um compromisso importante sobre a cooperativa hoje com o meu pai, coisas de trabalho, enfim. Beijo, meu amor.
Daniel sai rapidamente sem deixar que Graça falasse.
Graça(para si mesma) - Eu não posso deixar essa empregadinha tirar a minha chance de entrar nessa família. Ah, mas eu não vou!
ABERTURA.
CENA 05 - MANSÃO LA SELVA - EXT/NOITE
As caminhonetes encostam em frente à mansão.
Antônio(vibrando) - Viu só? Aquilo é a verdadeira herança que eu vou deixar. Vou entrar, tomar um banho, cê não vem?
Caio - Claro! Pode ir na frente, meu pai, já tô indo.
Pelo canto da casa, Caio vê uma silhueta passando discretamente pelos fundos.
Aline caminha rapidamente, quase sem perceber que está sendo seguida. Quando ela se prepara pra sair das dependências da mansão, dá de cara com Caio. Assusta-se levemente.
Aline - Ah! O senhor… me assustou.
Caio - Desculpa. Não era a intenção. E também não precisa me chamar de senhor, Aline.
Ela abaixa os olhos tímida. Caio sorri tentando quebrar o gelo.
Aline - Aquele dia… eu não fazia ideia de que o senhor… ah, quer dizer, você era filho do grande Antônio La Selva.
Caio - Não precisa se desculpar, nem me deve esse tipo de satisfação, Aline. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Sabe… eu estive pensando muito em você durante esse tempo.
Aline - Seu Caio, você é meu patrão. Eu não posso…
Caio - Antes de ser o seu patrão eu sou o seu amigo.
Um clima surge entre eles novamente. Eles se encaram.
Da janela, no andar de cima, Daniel observa tudo aquilo com uma expressão bastante séria.
Encerramento.

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