23/06/2025

Entre a Cruz e a Espada - Capitulo 01 (23/06/2025)

ENTRE A CRUZ E A ESPADA - CAPÍTULO 1


RIO DE JANEIRO, 2005

        

CENA 01 - (RIO DE JANEIRO/EXT./TARDE)

SONOPLASTIA: "ENTRE O BEM E O MAL" — JOHNNY HOOKER (APENAS O INSTRUMENTAL)

Sobrevoamos a magnífica Zona Sul do Rio de Janeiro, aprofundando numa tarde quente e ensolarada, uma tarde típica de verão, o ceu azul intenso se estendendo como um longo manto sobre o mar, abaixo as ondas batem sobre a areia da praia cheia de vida. Carros trafegam sobre as avenidas lotadas e engarrafadas. O plano vai avançando e em seguida surge o gigante "Carioca Tower Shopping", com um movimento demasiado, vemos várias pessoas de diferentes estilos e idades, saindo com sacolas nas mãos, algumas bem apressadas e outras bem descontraídas.

CENA 02 - (SHOPPING/INT./TARDE)

A câmera mostra Jorge entrando no shopping, em mais um dia de trabalho como gerente de marketing; um espaço enorme, um luxuoso piso de porcelanato, uma iluminação que traz uma sensação de estar sobre o paraíso, lojas das melhores marcas; o rapaz entra em um dos elevadores que o levam até o andar de cima, ao chegar recepção, uma das secretárias do local o chama.

SECRETÁRIA (avista e o chama): Jorge! 

JORGE (com um bom humor): Boa tarde minha amiga, desculpa incomodar, mas eu percebi que tiraram a placa com o meu nome da minha sala, aliás tá a maior confusão, até pedreiro eu encontrei no corredor, que loucura tá isso aqui hoje. 

SECRETÁRIA: Ah sim, claro...

SECRETÁRIA (preocupada e uma voz trêmula): Espera aqui só um segundinho seu Jorge, que o Dr. Henrique quer falar com o senhor.

Corta para:

Dr. HENRIQUE (em tom frio e direto): Infelizmente o senhor está demitido. 

JORGE: Como assim demitido? Sem mais nem menos, Dr. Henrique?

Dr. HENRIQUE:  Jorge, como você bem sabe que já tem alguns meses que o Tower Shopping não conseguiu atingir o plano de rendimento esperado, passamos o ano inteiro tendo mais gastos, do que faturamento... 

JORGE (incrédulo com a situação, dá um leve sorriso): Não brinca não, Dr. Henrique... Eu trabalho aqui desde 98, são 7 anos me dedicando a essa empresa, isso aqui é minha fonte de sobrevivência, eu tenho uma família pra sustentar, minha mulher tá desempregada, a gente tem um filho pequeno, o senhor não pode simplesmente me demitir assim.

Dr. HENRIQUE (sem paciência): É, eu não posso fazer nada Jorge! Não adianta ficar aí falando, você não foi o único, inclusive eu fui um dos demitidos, aliás 80% dos funcionários foram demitidos desta empresa hoje.

JORGE (questiona): Como assim?

Dr. HENRIQUE (abaixa a cabeça e respira rapidamente): Parece que a empresa foi encampada pelo grupo Venturini, um dos maiores grupos do país.... Já começaram a reformar isso aqui tudo.  Por isso que demitiram todo mundo.


CENA 03 -(MANSÃO DOS VENTURINI/EXT./TARDE)

A cena mostra a luxuosa mansão da Família Venturini, a água límpida e cristalina da piscina reflete sobre o céu ensolarado daquela tarde quente, um belo jardim com um verde forte, e assim vemos pela primeira vez Joyce Venturini, uma mulher poderosa, rica, esposa de Otávio, eles tem dois filhos e vivem num casamento frio e seco. Apesar dos problemas familiares, Joyce nunca perde a postura diante de todos. Sentada na espreguiçadeira perto da borda da piscina, ela chama a empregada da casa.

JOYCE (com um suave grito): Zélia! 

ZÉLIA: Algum problema, Dona Joyce?

JOYCE: Traz mais um gin pra mim, querida. E me diz uma coisa... O Otávio já saiu? 

ZÉLIA: Sim, ele disse que ia naquele tal shopping resolver a reforma.

JOYCE (balançando a cabeça e falando com tom de deboche): Claro! Ele não faz outra coisa a não ser pensar nesse shopping, e ainda sai sem me dizer nada. 

ZÉLIA: A senhora quer que eu avise quando ele voltar? 

JOYCE: Não, deixa pra lá... Não faz nem diferença.

ZÉLIA: Como quiser, senhora, eu já trago seu gin. 

ZÉLIA: Ah, Dona Joyce, em relação a minha filha...

JOYCE (interrompendo): Zélia, já disse que depois conversamos sobre isso, não já basta os outros problemas, eu não tenho a menor condição de pensar nos problemas dos empregados. 

ZÉLIA (de cabeça baixa): Tudo bem, senhora! Eu já volto com o gin. 

Zélia vai andando discretamente, e entra na cozinha da casa e se depara com sua filha, Mariana, sentada e destruída. 

ZÉLIA (estressada): Ora Mariana, o que se tá fazendo aí sentada, os quartos ainda tão aí pra você arrumar. 

MARIANA: Calma! Eu só parei um pouco pra descansar. 

ZÉLIA: Descansa depois do serviço, minha filha. Ninguém tá aqui pra fazer nosso serviço não. Eu ainda tenho que pegar sua irmã no colégio. E Dona Joyce ainda é muito boa de deixar a gente morar aqui. 

MARIANA: Aham, muito boazinha, me deixe viu, uma megera dessa que só faz explorar nós duas.

ZÉLIA: Não seja injusta, Dona Joyce me ajudou muito e foi graças a ela que eu pude te sustentar.

MARIANA: E meu pai, hein mãe?

ZÉLIA (supresa): Que pai, menina?

MARIANA: Meu pai, ué. Eu nunca vi uma foto sequer do meu pai.

ZÉLIA (afastando o olhar): Já te disse que seu pai sumiu sem deixar um registro. Ah mais vai logo terminar o serviço, menina!

Enquanto Mariana vai saindo, a câmera foca no rosto de Zélia. 

CENA 04 - (CASA DE JORGE/INT./FIM DE TARDE)

Em uma cozinha de tamanho médio, iluminada pelo raio do por do sol, Adelaide, esposa de Jorge, está sentada à mesa, cantando uma canção enquanto abotoa a dele, a sua voz doce e pura, ecoa sobre o ambiente apesar de está cantando baixo. De repente ela escuta a porta abrindo e o barulho da chave sobre a estante da sala, e se surpreende ao ver Jorge chegando mais cedo do trabalho.

ADELAIDE (surpresa) - Meu amor, chegou cedo hoje! A janta ainda tá forno, o Felipe ainda tá na creche...

Jorge abaixa a cabeça e dá suspira, tomando coragem pra contar o fato que vai mudar a vida deles. 

ADELAIDE (assustada sem saber o que está acontecendo) - Jorge, aconteceu alguma coisa? Você tá com uma cara estranha.

JORGE (sério) - A gente precisa conversar Adelaide.

ADELAIDE (sentando no sofá) - Jorge você tá me deixando assustada.

JORGE (também sentando no sofá e ficando próximo de Adelaide) - Eu fui demito! O shopping foi encampado por um grupo, e demitiram geral.

ADELAIDE (com a mão sobre a boca em estado de choque) - Meu Deus! Jorge!

ADELAIDE - Mas como assim, mandaram você embora desse jeito? Sem avisar nada antes? Que absurdo!

JORGE - Nem tiveram como avisar nada antes, um tal de Otávio Venturini tomou conta daquilo, até o coitado do Henrique foi mandado embora também, o mundo tá caindo naquele shopping. 

ADELAIDE - Oh meu amor! Eu nem sei o que dizer....

JORGE (com uma lagrima descendo dos olhos) - Eu sou um fracassado né, Adelaide? Pode falar pra mim! 

ADELAIDE (limpando as lágrimas de Jorge) - Não me amor! O que é isso? Você não teve culpa de nada! 

JORGE - Em 7 anos nessa merda e não consegui fazer nada pela gente! Olha nossa vida Adelaide! 

ADELAIDE - Mas como assim "nada", Jorge? Olha nossa casa, nunca passamos necessidade, nosso filho vive bem! Não fica se torturando por algo que você não tem culpa!

ADELAIDE (otimista) - Você é forte, inteligente, sempre batalhou por tudo! E vai conseguir um novo emprego logo, logo! E.... Eu também vou conseguir um emprego, você não tá sozinho nessa!

JORGE (balançando a cabeça) - Eu não sei não Adelaide, as coisas não estão tão fáceis assim, você não imagina como tá o mercado de trabalho, e se eu não conseguir arrumar emprego tão rápido? Como eu vou pagar as contas do mês?

ADELAIDE - Você vai conseguir sim, eu também posso abrir uma vendinha aqui na própria garagem, fazer qualquer negócio enquanto eu não acho um emprego... Amor, não vai faltar nada pra gente.

JORGE - Eu não sei não, Adelaide, essa sua mania de otimismo em todas as situações

Jorge põe as mãos no rosto e dá um assopro de cansaço, sem forças. A câmera vai focando no rapaz lentamente se aproximando, revelando os olhos vermelhos e fundos por entre os dedos. O som ambiente se esvazia, ficando apenas o ruído sutil da sua respiração pesada. 


ABERTURA:


"3 MESES DEPOIS" 

23 de dezembro de 2005, o Rio de Janeiro em clima de Natal. A câmera mostra a cidade numa noite chuvosa.

CENA 05 - (BAR. DA CIDADE/INT./NOITE):

Ricardo (filho dos Venturini) e Mariana (filha mais velha de Zélia) saem as escondidas naquela noite chuvosa, juntos vão ao um bar local onde está acontecendo um breve show. 

MARIANA (rindo muito): Você é louco! A gente não deveria ter saido assim. 

RICARDO: Ah, mas confessa que foi você gostou.

MARIANA: Claro que eu gosto, mas imagina se desconfiam de alguma coisa?

RICARDO: Ah, relaxa gata, só curte o momento. 

MARIANA: Seu maluco!

RICARDO: Eu vou ali no banheiro, escolhe uma bebida pra gente. 

Ricardo segue em caminho ao banheiro, Mariana vai até o balcão do bar e pedi duas cervejas e escolhe um local pra sentar, Ricardo volta do banheiro e senta-se á mesa. 

RICARDO (tomando um gole, meio sem jeito): Eu preciso falar um coisa com você.

MARIANA: O que foi?

RICARDO: Eu me inscrevi há alguns meses num concurso, e se eu passasse, eu receberia uma bolsa pra estudar em Oxford. E eu passei.

MARIANA (surpresa): Como assim se inscreveu, Ricardo? Pra que isso?

RICARDO: Mariana você sabe oq é estudar na Universidade de Orfoxd? É literalmente meu sonho!

MARIANA: Quer dizer então que você faz isso sem me avisar nada?

RICARDO: Eu nem tinha tanta fé que iria passar nesse concurso. Olha, eu tô pensando seriamente ainda nisso. 

MARIANA (rindo sarcasticamente) : Ah me poupe, você já se decidiu sim. você vai pra essa tal faculdade e vai me deixar aqui. 

RICARDO (admitindo): Tá certo, não vou negar isso, mas significa que eu tô desistindo da gente... Você pode me esperar!

MARIANA: Esperar o que? Quanto tempo é essa espera, quatro, cinco anos? Você isso que vai dar certo.

RICARDO: Vai ser melhor pra nós dois, eu até lá não vou ser mais dependentes do meus e pais e não vamos precisar mais se esconder.

MARIANA: Eu vou embora.

RICARDO: Espera aí, você não pode sair assim, tá chovendo muito lá fora.

MARIANA: Eu dou meu jeito, você tem coisas mais importantes pra se preocupar.

RICARDO (segurando o braço de Mariana): Você não pode sair assim, eu tô fazendo as coisas do melhor jeito.

MARIANA: Solta o meu braço! Acabou, Ricardo.

Mariana sai do local andando em passos rápidos. Do lado de fora está uma chuva forte. A jovem passa por uma rodovia, sem prestar atenção nos movimento médio entre os carros. Ricardo corre atrás e gritando por ela. 

RICARDO: Pra onde você vai, garota! Me espera!

MARIANA (gritando): Me deixa, Ricardo. Vê se me esquece.

Sem se dar conta, ela no meio da pista molhada e um buzinaço corta o ar. Mariana vira o rosto, sua última visão é um ônibus em sua direção. O impacto faz seu corpo ser lançado no ar. 

RICARDO (gritando em choque): MARIANA!

A cena vai mostrando a água da chuva caindo na pista  molhada e se misturando com o sangue de Mariana. A cena vai se distanciando e sobrevoando o local da tragédia.

CENA 06 - (MANSÃO DOS VENTURINI/INT./NOITE):

Após um dia longo de negócios, Otávio chega em casa e vai direto pro quarto, segurando sua maleta, e bem cansado escadas da mansão, em direção ao seu quarto, ela se depara com Joyce sentada no poltrona do quarto, ao lado de uma cômoda com um abajur, e pensativa olhando para as janelas.

OTÁVIO: Achei que já estava dormindo, Joyce!

JOYCE (olhando para as janelas): Mas porque meu bem? Ainda são quinze pras nove.

JOYCE: Como foi o seu dia?

OTÁVIO: Foi mais um dia normal, consegui fechar acordo pra conseguir a posse total daquele shopping, mas um terreno pros Venturini. Fico curioso pra saber o que aconteceu com toda aquela gente demitida.

JOYCE: É eles se ajeitam, essa gente pobre arruma trabalho rapidinho.

Na mesma hora, o telefone toca.

OTÁVIO: Quem deve ser ligando essa hora?

JOYCE: Deixa que eu atendo.

JOYCE (atendendo o telefone): Alô? Ricardo? O que barulho é esse?

OTÁVIO: O que houve, Joyce?

JOYCE (franzindo a testa): Como assim meu filho? Eu não estou entendendo nada! 

A notícia da morte de Mariana chega a Joyce, ela em choque abre os olhos, sem acreditar no que está acontecendo.

Cortando para:

CENA 08 - (CASA DE JORGE/INT./NOITE)

A escuridão e o barulho da chuva toma conta daquele casa, que um dia foi tão cheia de solar e vívida. Adelaide está deitada na cama, ainda acordada, ela observa as horas, e vira rapidamente ao escutar o barulho alto da porta da casa abrindo, era Jorge capengando de bêbado, cantando desafinadamente. Jorge vai subindo as escadas e entra no quarto, vendo Adelaide sentada na cama, virada pra trás. 

JORGE (falando embolado): Eu falei pra você não me esperar. Mas que saco!

ADELAIDE (fria): Você sabe que eu não consigo dormir de tanta preocupação.

JORGE: Mas que besteira meu amor.

Jorge se esfrega em Adelaide, e ela levanta da cama.

ADELAIDE: Para com isso, Jorge. Você tá molhado, fedendo a cachaça.

JORGE: Ah me poupe.

ADELAIDE: Conseguiu arrumar o dinheiro do serviço? Ninguém mais quer vender fiado pra gente. 

JORGE (mentindo): Consegui, mas esse dinheiro eu tive que usar pra pagar umas dividas que eu tinha por aí.

ADELAIDE: Mas que dívida, Jorge? Que história é essa?

JORGE: Eh... uns, uns, empréstimos que eu peguei que uns amigos meus?

ADELAIDE (voz alterada): Você o gastou o dinheiro com cachaça, é isso? 

JORGE: Mas quem falou em cachaça aqui, do nada você tirando isso.

ADELAIDE: Não faz gênero comigo! Eu tô vendo a mentira na sua CARA! Você tá bebado feito um gambá! 

JORGE: Ora, já vai começar a gritar? 

ADELAIDE: Começar? A gente praticamente sem ter o que comer, a luz pra ser cortada, o nosso filho sem um presente sequer pro natal e vc entupindo o rabo de álcool. 

JORGE: Para de apertar minha mente, eu vou arrumar um jeito nisso. 

ADELAIDE: Vai arrumar um jeito, vai arrumar um jeito sim. A dispensa vazia, a casa sem luz, a gente sendo assunto em rodas de fofocas pela rua, mas ele vai arrumar um jeito. 

JORGE (gritando): E QUE FALEM, JÁ DISSE QUE SE TIVEREM ALGUMA COISA PRA FALAR, QUE FALEM MINHA CARA QUE SOU O HOMEM. 

ADELAIDE: Homem? Que homem? Só se for um homem no meio do bar, pros outros vagabundos desocupados que ficam enchendo a cara até cair. 

JORGE (apontando o dedo): Olha como você fala comigo, mulher!

ADELAIDE: Porque em nessa casa, você não é homem há muito tempo. 

ADELAIDE: Você é um FRACO! 

Jorge dá um tapa no rosto de Adelaide, fazendo ela ela cair em cima da cama. A câmera foca em Adelaide caída e chorando sobre a cama. Ela levanta depois de alguns segundos, e partindo pra cima de Jorge.

ADELAIDE (batendo em Jorge numa fúria extrema): SEU DESGRAÇADO! MALDITO! COVARDE! 

JORGE (segurando ela): CALMA! Me desculpa meu amor, eu perdi a cabeça!

ADELAIDE: ACABOU, JORGE! CHEGA! 

ADELAIDE: Isso foi a gota d'água. Eu vou embora! Acabou.

CONGELAMENTO EM ADELAIDE. 

A novela encerra seu primeiro capítulo ao som de "Que Pais é Esse" tema de abertura.

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