A Melindrosa
Capítulo 9
1929
Cena 1- Noite.Cabaret Madame Tabacão.
Ao som de “Dream a Litle dream of me” rameiras e trabalhadoras da vida se oferecem aos homens,umas sentam direto no colo deles,outras os seduzem mais.Todas vestidas sensuais e vulgares,com o intuito de seduzi-los mesmo.Joaquina Tabacão está sentada no bar onde são servidos os drinks,observando tudo.
Joaquina Tabacão- Que graça.A casa cheia,hoje vai dar bom.
Luísa,já arrumada para os ossos do ofício, aproxima-se de sua avó.
Luísa- Como vai o andamento dos negócios Dona Tabacão?.
Joaquina Tabacão- Aqui você me chama de madame tabacão !. O andamento vai melhor do que o normal por esta noite.
Luísa- A senhora sabe que assim que eu me formar,eu me mando daqui não é ?.
Joaquina Tabacão- Claro.Você não é moça feita para essa vida não.Não tem gosto pelo trabalho.Uma pena,porque se soubesse usar a sua beleza a seu favor…
Luísa- Só trabalho assim por sua causa,vovó.
Joaquina percebe um homem encarando Luísa.
Joaquina Tabacão- Vai lá minha filha.Já tem cliente te esperando.
Luísa percebe os olhares do homem e se dirige até ele.Cleo se aproxima de Joaquina.
Cleo- Como vai o andamento?.
Joaquina Tabacão- Segunda pessoa que me pergunta a mesma coisa nesta noite.Os negócios vão de vento em pompa.Agora adiante,vá trabalhar minha querida.
Cleo- Que mal humor.Bem que dizem que quanto mais velha a gente fica,mais chata ficamos.
Joaquina Tabacão- Por isso que esses homens vem atrás de vocês.O que eles não tem em casa,eles procuram na rua…
As duas caem na gargalhada.
Cena 2- Residência dos Serra e Dutra Cavalcante.Sala de Janta.
Ana Lúcia,Benjamin e Sebastião estão sentados à mesa,jantando.
Benjamin- Que silêncio mortal.
Ana Lúcia- Se está silêncio é porque não tem assunto.
Sebastião- Ou porque a sua mãe está,como sempre,com raiva de qualquer coisa.
Ana Lúcia- Já vai começar?.Estou calada e quieta,justamente para não te irritar e você vem me provocar ?.
Sebastião- Cale a boca.Não te fiz uma pergunta,nem falei com você.Falei com o meu filho.
Ana Lúcia sente a alfinetada e fala baixinho,sussurrando.
Ana Lúcia- Nem seu filho é.
Benjamin ouviu o murmúrio,mas não compreendeu.
Benjamin- O que falou mamãe ?.
Ana Lúcia- Nada meu filho.Não posso falar à mesa,para não irritar o dono da casa.Pensei que já tinha aprendido com seu querido pai,como se trata uma mulher e a faz demasiada feliz.
Sebastião se irrita com a esposa.
Sebastião- Mas hoje você está mais insuportável do que o normal.Francamente,não se pode jantar em paz nessa casa.Quer saber ? Perdi a fome.Vou comer fora.
Sebastião se retira e sai da casa.
Benjamin- Tá vendo mãe? Olha o que você fez.Irritou o papai.
Ana Lúcia- Eu ?.Ele que está de mal humor.Sabe muito bem como ele é.E não me venha com suas lições de moral,porque você também não tem maturidade para entender esses assuntos.
Benjamin- Só a senhora sabe, não é ? A dama perfeita,a mulher que todas invejam.A que todos deveriam seguir.A Santa Ana Lúcia.
Ana Lúcia se irrita.
Ana Lúcia- Você me respeite seu moleque.Não permito que me falte com o respeito.
Benjamin- Ah é ? Você me ofende e ainda se faz de ofendida.Por isso a senhora não é suportada por ninguém.É horrível conviver com a sua presença.
Ana Lúcia se descontrola e dá um tapa na cara de Benjamin.
Ana Lúcia- NUNCA MAIS FALE ASSIM COMIGO.ESTÁ ME OUVINDO ? DA MESMA FORMA QUE VOCÊ RESPEITA O SEU PAI,VOCÊ TEM QUE ME RESPEITAR.VOCÊ NÃO FAZ IDEIA DO QUE EU JÁ PASSEI OU DO QUE TIVE QUE SACRIFICAR POR SUA CAUSA.
Ana Lúcia se dá conta do que iria falar e para bruscamente.Benjamin se enfurece com a mãe e desconta a raiva na comida,pegando seu prato e o jogando no chão com toda a sua raiva.Ana Lúcia se assusta com a atitude do filho.Ele dá às costas a mãe e vai embora.Ela começa a chorar copiosamente.
Cena 3- Cabaret Madame Tabacão.Salão principal.
Em uma mesa,Cleo sensualiza para um senhor de uns 70 anos,ele fala galanteios,e ela segue o seduzindo.Sebastião chega no local e a pega à força,levando-a ao centro para dançar.O idoso fica revoltado.
Cleo- Que violência é essa ? Eu hein.Você sabe muito bem que é o meu trabalho.
Sebastião- Cala a boca,rameira,meretriz…
Ele encara fixamente a boca dela.
Cleo- Que que eu sou mais ? Fala aí…
Ela ri.
Sebastião- Uma sem vergonha.Uma gostosa.
Ele começa a cheirar o pescoço dela.
Cleo- Calma aí serrinha.
Sebastião- Você vai ver a minha serrinha.
Os dois se retiram do local e vão em direção aos quartos do local.Assim que Sebastião sai com Cleo,Benjamin adentra o cabaret.Perdido e sem jeito,o rapaz logo percebe os olhares das moças.De longe,Joaquina o observa.
Joaquina Tabacão- Quem é esse ?.Ui,mas que abobrinha danada.
Luísa volta de uma dança e fica ao lado da avó.
Joaquina- Vai lá Luísa.Aquele alí é seu.Do jeito que você gosta.
Luísa- Credo vovó.Falando desse jeito.
Joaquina Tabacão- Vai logo,antes que alguma outra assanhada pegue ele.
Luísa vai em direção a Benjamin.
Luísa- Boa noite.Percebi que você está meio perdido.O que te trouxe aqui?.
Benjamin- Ah… É que… Não sei o que estou fazendo aqui.
Luísa- Vamos dançar um pouco.Aí você vai se soltando e me conta,desabafa,relaxa,depois nós tomamos um drink.
Ela puxa o rapaz para dançar.
Luísa- Como você conheceu o lugar ?.
Benjamin- Eu já tinha ouvido falar sobre aqui,mas ainda não tinha tido coragem de vir aqui.
Luísa- Um homão desses com medo de um lar de rameiras ? (risos). Nós não mordemos,só fazemos coisas que lhes agradam.
Benjamin- Pois então.
Os dois ficam se encarando fixamente.A química é imediata.
Cena 4- Pensão simples.Quarto de Diego.
Diego está quase pegando no sono.Até que se lembra de seu esbarrão com Ana Lúcia.Até agora ele não conseguiu esquecer a beleza fascinante da mulher.
Diego- Qual será o seu nome ? Como pode existir mulher tão bonita ?.É melhor eu ir dormir,que amanhã tenho que acordar cedo.
Cena 5- Cabaret Madame Tabacão.Salão principal.
Benjamin e Luísa tentam se distrair enquanto dançam.
Luísa- Como o senhor vive ?.
Benjamin- Não me chame de senhor.Eu vivo como qualquer outra pessoa,senhorita.Me diga qual é o seu nome ?.
Luisa- Tudo bem,meu senhor,ops.Qual dos nomes você quer saber ?.
Benjamin- O seu nome.
Luísa- Me chamam de Luluzinha.E você,como se chama ?.
Benjamin- Benjamin.
Luísa- O que faz da vida ?.
Benjamin- Nada.
Luísa- Como nada ?.Não vá me dizer que é um vagabundo.
Benjamin- Sou herdeiro.
Luísa- Nossa,por essa eu não esperava.
Benjamin- Pois é.
Benjamin não se aguenta e a beija.Ela corresponde ao beijo.Um beijo longo e apaixonante.Luísa se afasta.
Luísa- Você sabe como eu trabalho.O que quer agora ?.
Benjamin- Perdão?. Eu não vim fazer isso que você está pensando,senhorita Luluzinha.
Luísa- Então você me fez perder tempo ?.Não invente de me deixar na mão.Tempo é dinheiro e eu não posso perder.
Benjamin- Mas é claro que eu vou lhe pagar.Apesar de sua ignorância,reconheço que é uma boa companhia.
Luísa- Muito bem,nossa dança está encerrada.Pague-me o que é devido e pronto.
Benjamin fica sem reação com o que ouviu.
Benjamin- Assim ? Eu fui só mais um cliente para você não é ?.
Luísa- Claro,meu filho.Agora me pague.
Benjamin dá alguns réis a Luísa,ela se dirige para o lado de sua avó,e ele vai embora.
Joaquina Tabacão- E aí? Como foi?.
Luísa- Não é homem feito.É um moleque riquinho.Herdeiro.Não merece minha atenção.
Joaquina Tabacão- Herdeiro ? E você deixou escapar assim?. Mas que menina burra.Fosse eu,teria o pegado de jeito,que ele não iria se esquecer jamais.
Cena 6- No outro dia.Jornal Correio da Manhã.
Escritório de Mariane.
Mariane está muito contente por estar a frente da primeira prefeita mulher do Brasil e de toda a América latina,Luiza Alzira Teixeira Soriano,que foi convidada a dar uma entrevista.
Mariane- Que prazer tê-la conosco em nosso jornal.
Luiza Alzira- Imagina.Gosto tenho eu de estar aqui,frente a uma das poucas mulheres empresárias de nosso país.
Mariane- Como se deu essa eleição? Foi tranquila ? Ou mais turbulenta ?.
Luiza Alzira- Ah,infelizmente sempre tem o lado ruim da política não é.Sofri ataques misóginos e machistas,mas superei bravamente,não a toa que fui eleita.As pessoas reconheceram em mim a força e a garra necessária para comandar uma cidade.
Mariane- Sim.Eu também sofri ataques misóginos e machistas quando assumi a empresa do meu pai.Mas consegui superá-los e segui em frente.Infelizmente,ou felizmente não sou casada.
Luiza Alzira- Imagino que a senhorita deva ter muitos pretendes não?.
Mariane- Sempre surgem amores que vem e vão.Mas nunca ninguém conseguiu prender meu coração.
Luiza Alzira- A senhorita não é velha,tem tempo ainda.
Mariane- Mas você sabe o que dizem pelas rodinhas de alta sociedade.Sou muito mal falada por ser quem eu sou.É esse o preço que eu pago.Mas prefiro ser assim do que ter me casado jovem e hoje em dia estar presa em um casamento infeliz,como uma amiga minha.
Luiza Alzira- Sério? Coitadinha.
Neste momento Ana Lúcia surge na porta e bate,pedindo licença para entrar na conversa.Mariane abre a porta e Ana Lúcia a cumprimenta,logo depois ela e Luiza se abraçam.
Ana Lúcia- Que incrível poder ter a sua companhia.Um exemplo para nós mulheres.
Luiza Alzira- Imagina.
Mariane e Ana Lúcia se acomodam em seus lugares.
Mariane- Eu e ela estávamos comentando sobre o seu casamento lucinha.
Ana Lúcia se sente constrangida.As três têm uma longa conversa de mulheres.
Cena 7- Banco.
Luísa trabalha como atendente durante o dia no estabelecimento.Benjamin,está indo resolver algumas pendências.Ela está distraída mexendo em alguns papéis,quando ele chega,e ela não percebe de quem se trata,tampouco ele se dá conta de quem o está atendendo.
Benjamin- Bom dia.Será que a senhorita poderia…
Ambos se dão conta de que estão um a frente do outro.
Luísa- Você por aqui ?.
Benjamin- Eu que pergunto.O que você está fazendo aqui?.
Luísa- Eu trabalho aqui.Algum problema ?.
Benjamin- Trabalha como ? Da mesma forma que trabalha naquele… (sussurra) cabaré ?.
Luísa- Cale a sua boca.Nós não temos porque fazer mal um ao outro.Aqui,trabalho como atendente.E como tal,mereço respeito.
Benjamin- Desde quando sirigaita merece respeito ?.
Luísa- Se dirija a atendente ao lado,por favor.
Benjamin- E se eu não quiser ?.
Luísa- O que você quer de mim hein?.
Benjamin- Acho que nós podemos entrar em um acordo muito rentável para nós dois.
Luísa- Já lhe disse.Aqui trabalho como atendente.
Benjamin- E eu já escutei.Me encontre às cinco da tarde no café do centro.Temos algumas coisas a acertar.
Luísa- E se eu não for ? O que você vai fazer?.
Benjamin- Você já sabe que eu sou herdeiro.Mas não sabe ainda que sou melhor amigo do filho do dono desse banco.
Luísa se sente amedrontada.
Cena 8- Residência dos Gaspar Cavalcante.Cozinha.
Anastácia está atualmente mais envelhecida,com os cabelos brancos bem aparentes,e as marcas da idade expostas em sua face.Na cozinha ela cuida das correspondências como governanta da casa.Até que Luzia chega ao cômodo.
Luiza- Aí está você,Anastácia.Precisamos conversar.
Anastácia- Conversa sobre qual assunto?.
Luiza- Você já está velha demais.E nesta casa já temos muitos velhos.Já não nos é mais útil.Eu mal dou conta de Nestor,quem dirá de você.E não quero que surjam mais rugas em mim por preocupação para além do meu marido.
Anastácia- Não.Daqui eu não saio.
Luiza- Oi? Não entendi.
Anastácia- Daqui eu não saio,senhora.Sabe muito bem que aqui sempre foi o meu lar.Os acompanhei nos bons e nos maus momentos.Não é porque estou velha que vou ser abandonada como se fosse um móvel descartável.
Luzia- Eu não estou pedindo sua opinião.
Anastácia- E eu estou lhe avisando que é melhor me ter por perto,do que longe.E acredite,falo pelo bem da família.
Luzia- Do que você está falando ?.
Anastácia- A senhora sabe bem.
Luzia- Não ouse me desafiar.Sabe muito bem do que sou capaz de fazer quando alguém se intromete no meu caminho.
Anastácia- Justamente por saber,que tenho a certeza de que a senhora vai pensar duas vezes em atender ao meu pedido.
Luzia- Tudo bem Anastácia,se é assim que você prefere.
Luzia se encaminha para fora da cozinha.Quando Anastácia lhe entrega uma carta.
Anastácia- Essa carta é para você.
Luzia- Não se esqueça da hierarquia que nos separa.Para você,eu sou senhora.Muito obrigado pela carta.
Cena 9- Escritório.
Luzia lê a carta atentamente.Ela dá um sorriso de satisfação.Até ler o resto do conteúdo da carta,e seu sorriso se desmanchar.Musica de tensão ao fundo.
Luzia- Não,não,não.Maldição.
Ela amassa a carta e a joga na lixeira.
Atrás da porta,Anastácia tenta escutar qualquer barulho.Luzia sai do escritório com raiva,Anastácia se esconde para que não seja vista.Após vê-la se afastando e vendo que essa é sua oportunidade,a mulher adentra no escritório e procura pela carta.Ela olha as gavetas da mesa,embaixo do tapete,e por fim,no lixeira,e lá ela encontra a carta,e a pega.
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