Paixões & Legados
Escrita por Fafá
Faixa das 18h
Está de manhã. No centro da sala da mansão está o corpo de Celine, dentro de um caixão rodeado de pétalas de flores. Ao lado, estão Leonel, Débora, Gláucia e Gustavo, todos, tirando Débora, muito abatidos.
GLÁUCIA: Que Deus tenha piedade da alma dessa menina!
DÉBORA (Pensando): Ou o diabo…
GUSTAVO: Ele terá, Dona Gláucia.
Tempo depois, algumas pessoas começam a chegar para o funeral. Gustavo vai até Leonel, que está num canto mais isolado da sala.
GUSTAVO: Foi uma morte muito triste para nós todos, mas não há dúvidas de que você é o mais destruído entre todos aqui presentes.
LEONEL: Além da tristeza, ainda há o arrependimento e a dor de um coração partido…
GUSTAVO: Sempre enxerguei algo mágico entre vocês. Parece que, quando ela te achou na beira daquela estrada, ela viu algo de especial em você.
LEONEL: Agora, não adianta nada. Ela se foi, e eu só criei coragem para confessar o meu amor nos seus últimos momentos de vida.
GUSTAVO: E o que fará daqui para frente?
LEONEL: Ainda não sei, me sinto sem rumo. Provavelmente Débora me expulsará daqui e me privará de todas as tarefas que eu fazia ao lado de Celine. Se for isso mesmo, seguirei o meu caminho e encontrarei o destino que me aguarda.
GUSTAVO: Se precisar de alguma ajuda, me telefone ou vá atrás de mim em Riacho das Rosas. Estou disposto a fazer o que for para te ajudar.
LEONEL: Obrigado, meu amigo, certamente me lembrarei de você!
A sala vai ficando apertada à medida que as pessoas chegam para acompanhar o velório da moça. O padre chega para velar o corpo e todos se reúnem ao redor do caixão. Enquanto todos rezam, Leonel se esforça para não desabar no choro, até que ouve uma voz nas suas costas.
– Parece que nos reencontramos…
Ele se assusta ao ver o Coronel Guilhermino pelo canto do seu olho.
GUILHERMINO: Achou que poderia se esconder para sempre? Mas eu te encontrei!
LEONEL: O que quer comigo?
GUILHERMINO: Apenas um acerto de contas. Tínhamos uma dívida, lembra-se? Mas você fugiu de mim e ainda difamou minha fazenda nos jornais da região. Você nem imagina o prejuízo que isso me causou.
LEONEL: Não existe dívida, tudo isso foi um plano seu para me prender naquele lugar.
GUILHERMINO: Talvez… mas o rapaz me prometeu que trabalharia para mim o tempo que fosse necessário.
LEONEL: Sei que não liga para meu trabalho, quer apenas me matar, pois está com raiva de mim.
GUILHERMINO: Quanta esperteza! Sorte sua que hoje é um dia de prestar condolências, porém pode me aguardar que não acabamos por aqui.
Guilhermino sai de trás de Leonel, que fica apreensivo. Logo após o padre terminar a reza pela alma de Celine, todos saem em cortejo para o cemitério. Leonel carrega o caixão ao lado de Gustavo, Elias, primo de Celine, e mais três homens fortes. O caixão é posto no túmulo e todos jogam flores lá dentro, tendo suas últimas considerações à morta.
GLÁUCIA: Uma menina tão jovem e bonita… mesmo depois de fragilizada e falecida continuou belíssima.
DÉBORA: Também, escolheram as roupas e joias mais bonitas que ela tinha. Não entendi o porquê de enterrar coisas tão caras e valiosas como essas.
GLÁUCIA: Não há motivo para tanta preocupação com esses bens materiais. Eram coisas de Celine, antes fossem enterradas com ela do que passadas de geração em geração, para que algum dia um de nossos descendentes matasse outro por inveja.
DÉBORA: Perdoe-me, tia, mas essa sua linha de raciocínio saiu voando mais do que periquito fora da gaiola.
Ao anoitecer, Gustavo está se preparando para ir embora.
LEONEL: Obrigado por toda a ajuda, me lembrarei daquilo que disse.
GUSTAVO: Não hesite em me pedir ajuda se precisar.
LEONEL: Eu pensei em já te acompanhar nessa viagem, mas Débora disse que precisa de mim para os próximos dias.
GUSTAVO: Boa sorte com a fera, até mais!
Os dois fazem um cumprimento de mão e Gustavo se retira.
O trem chega na estação de Riacho das Rosas, onde Elza aguarda Gustavo. Ele desembarca e os dois se abraçam.
ELZA: Sinto muito que tenha perdido uma paciente, não se culpe por isso.
GUSTAVO: Estou com minha consciência tranquila, sinto que poderia ter feito mais, mas, ao mesmo tempo, acho que fiz tudo que podia.
ELZA: Senti saudades de nossas conversas.
GUSTAVO: Passei apenas dois dias fora, não exagere.
Alguns dias se passam, Leonel toma café junto com Gláucia na mansão. Débora desce as escadas radiante, diferente dos outros que ainda guardam o luto.
DÉBORA: Bonjour! O dia está tão lindo hoje!
GLÁUCIA: Acordou feliz, Débora? É sobre a surpresa que queria nos fazer?
DÉBORA: Não há surpresa alguma, apenas queria vocês aqui, pois marquei a leitura do testamento de minha irmã, que Deus a tenha!
LEONEL: Acho que está muito apressada, Celine mal esfriou no túmulo.
DÉBORA: Foi uma fatalidade muito triste, mas o mundo continua a andar. Inclusive, Leonel, obrigada pelas dicas e tudo o que me passou sobre os negócios, mas sinta-se à vontade para ir embora desta casa no final da tarde.
GLÁUCIA: Quanta indelicadeza, Débora!
DÉBORA: Mas já passou da hora mesmo. O segurei aqui até hoje, pois Celine tem alguma declaração para ele no testamento.
LEONEL: Para mim? O que é?
DÉBORA: Não sei, queridinho. Por isso temos um advogado para ler o testamento.
Na mansão de Bernardino, Lúcia toma seu café da manhã e ele desce as escadas cantarolando.
LÚCIA: Qual o motivo de tanta felicidade?
BERNARDINO: Há uma grande apresentação no teatro da cidade. Hoje à noite, vista sua melhor roupa e jóias, pois iremos à ópera. Já comprei as entradas!
LÚCIA: Ir ao teatro? Ora, Bernardino, e Anabel?
BERNARDINO: Já resolvi, Mercedes estará cuidando da pequenina para nós. Aceite, por favor! Há tempos que não saímos juntos.
LÚCIA: Está bem, acho que será um bom passeio.
BERNARDINO: Ótimo!
Lúcia põe a mão no peito como se estivesse sentindo uma pontada e sua nuca se arrepia.
BERNARDINO: Querida? Está sentindo algo?
LÚCIA: Senti um pouco de frio. Deve ser o vento, a janela está aberta.
Na pensão Maria das Graças, Gustavo se aproxima de Elza no momento em que ela desliga o telefone.
GUSTAVO: Estava falando com alguém?
Elza se comporta de forma estranha.
ELZA: Sim, eu preciso ir. Eu preciso ir correndo para a escola resolver uma coisa. Nos falamos mais tarde.
A moça sobe as escadas e Gustavo estranha seu comportamento.
GUSTAVO: No sábado?
Leonel, Débora, Gláucia e o advogado estão sentados à mesa da grande mansão. O advogado organiza alguns papéis tirados de sua pasta.
ADVOGADO: Estamos aqui para ler o testamento deixado por Celine Sanchez. Mesmo sendo uma moça jovem, ela tinha ciência de seu estado de saúde e, por isso, escreveu este testamento há alguns meses. Ela pediu que estivessem presentes na sala: Débora Sanchez, Gláucia Sanchez e Leonel Prado, assim como está.
DÉBORA: E então, quais eram os desejos de minha irmã?
ADVOGADO: Ela pediu para que eu lesse esta carta.
Ele pega o pedaço de papel em mãos.
“Vila das Camélias, 1931.
Queridos,
Espero que tenham lidado bem com minha morte e seguido suas vidas, só assim poderia partir em paz. Escrevi essa carta para deixar claro os meus desejos, o que eu quero para após a minha morte. Tia Gláucia, minha querida tia, quando meus pais morreram foi você quem assumiu o lugar deles. Tenho eterna gratidão pela senhora e, por isso, lhe deixo as fazendas que eram de meus pais e o vaso de mamãe, as terras que lhe darão uma quantia de dinheiro para que possa viver o resto de sua vida e o vaso que já foi de sua mãe e de sua avó. Débora, minha querida irmã, sei que já tivemos inúmeras desavenças e discórdias, mas, para mim, nunca passou de algo que abalasse nosso relacionamento como irmãs. Você sempre foi ambiciosa, mas sei que no fundo tem um bom coração. A ti, deixo as joias de nossa mãe, aquelas que sempre quis para si, e mais 20% de todo o dinheiro da minha conta do banco. Leonel, meu grande amigo e a quem tenho grande respeito, desde o momento que te vi, sabia que seríamos muito próximos, seja como amigos ou até amantes. Foi você quem me deu o prazer de querer viver cada dia mais e me trouxe uma grande felicidade. Sei que dinheiro algum pagaria por tudo isso que tivemos, mas deixo a você todo o restante de minha fortuna que não foi citado acima, incluindo joias, a mansão, os negócios que tanto trabalhamos, e tudo mais. E lhe dou o livre arbítrio de fazer o que achar melhor com tudo isso. Tenho enorme consideração por você e confio plenamente em suas escolhas.
Com todo amor,
Celine.”
Um silêncio mortal toma conta da sala. Gláucia está com a mão no queixo, surpresa com o que acabou de ouvir. Débora está tão perplexa que nem consegue se mexer, congelada como uma estátua. Leonel, incrédulo, ainda tenta raciocinar.
DÉBORA: O q… Como… Por qu… Isso não pode ser verdade!
GLÁUCIA: Mas é…
DÉBORA: ISSO NÃO PODE ESTAR ACONTECENDO! EU NÃO ACEITO ISSO! EU TENHO CERTEZA QUE É COISA SUA!
Ela aponta para Leonel.
DÉBORA: VOCÊ NOS DEU UM GOLPEEEE!!!! E EU VOU PROVAR.
Irritada, ela vai sobe as escadas batendo os pés. Débora entra em seu quarto explodindo de fúria. Ela pega um perfume chique francês, daqueles que tem que apertar uma esponjinha para borrifar, e o joga contra a parede quebrando o frasco em mil pedaços e espalhando o cheiro forte pelo local.
DÉBORA: Isso não vai ficar assim! Mas não vai mesmo! Eu hei de pegar tudo o que é meu por direito. Você não perde por esperar, Leonel.
A noite chega. Lúcia desce as escadas da mansão com um vestido brilhante e deslumbrante, suas joias realçam ainda mais sua riqueza.
BERNARDINO: Está belíssima! Invejará qualquer pessoa daquele teatro.
LÚCIA: Acho que exagerei.
BERNARDINO: Não ouse dizer uma coisa dessas. Agora, vamos depressa antes que percamos o horário.
MERCEDES: Tenham uma ótima noite!
O casal sai de braços cruzados. Mercedes sobe as escadas e se aproxima do berço de Anabel.
MERCEDES: É uma mocinha tão linda. Espero nos darmos bem nesta noite, e que construamos uma ótima relação, queridinha.
Elza chega na recepção da pensão com suas malas. Gustavo fica confuso ao ver a cena.
GUSTAVO: Elza? Para onde está indo?
ELZA: Terei que voltar para Roseiras. Recebi uma ligação de que meu pai está muito doente. Pedi para ser dispensada da escola, não sei se volto.
GUSTAVO: Irá embora assim, repentinamente? E, como assim, não sabe se volta?
ELZA: Perdoe-me por não ter lhe falado nada antes, mas é doloroso para mim abandonar uma relação tão bonita como estque construímos. Espero que entenda.
GUSTAVO: Espero que nos reencontremos algum dia…
ELZA: Se o destino quiser, isso acontecerá.
Ela pega suas malas e se retira do local sem falar mais nada. Gustavo fica abatido com a notícia.
CÁSSIA: Que história mal contada, parece que está fugindo de algo.
Bernardino e Lúcia ficam encantados com a ópera. Os vocais da moça que canta fazem os vidros do local tremerem. Os dois saem do teatro exultantes e satisfeitos.
LÚCIA: Fiquei impressionada, aquela mulher tem muito talento.
BERNARDINO: Essa noite está tão divertida. O que acha de darmos uma caminhada ao redor da quadra?
LÚCIA: Agora? Não acha perigoso?
BERNARDINO: A rua está movimentada, não há o que temer.
Os dois seguem a rua e viram a primeira esquina. Eles riem e comentam sobre a apresentação do teatro, se divertindo um monte. Eles viram a segunda esquina e avistam um homem estranho um pouco mais à frente.
LÚCIA: Parece que ele está olhando para nós.
BERNARDINO: Deve ser impressão sua. Aquela parte da rua está escura, nem dá para enxergar o rosto dele.
LÚCIA: Mas eu sinto…
Eles seguem andando. Ao chegar na metade daquela rua, Bernardino percebe que o homem se aproxima e que outro os segue por trás desde que saíram do teatro.
BERNARDINO: Você tinha razão, querida, eles estão atrás de nós. Não fique assustada, apenas faça o que eles pedirem.
Os homens os cercam, se aproximando cada vez mais. Um deles saca um revólver.
HOMEM: Nos entregue tudo de valor, principalmente as jóias!
BERNARDINO: Faça o que eles pedem, Lúcia.
Com as mãos trêmulas, Lúcia entrega cada jóia nas mãos dos bandidos.
HOMEM: O relógio, senhor.
Eles continuam entregando tudo.
HOMEM: Estes sapatos também são muito bonitos…
Lúcia se abaixa para tirar os sapatos. Nesse momento, um dos homens atira contra o peito de Bernardino, que cai no chão. Lúcia grita horrorizada com a cena e, logo após, também recebe um tiro em seu peito. Os ladrões evadem do local, abandonando as vítimas. Os corpos de Lúcia e Bernardino permanecem lá, lado a lado, no chão da calçada, enquanto uma poça de sangue cresce abaixo dos dois.
ENCERRAMENTO
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