Limite da Vida - Capítulo 05
Lícia e Mitra se levantam e vão juntas para dentro do convento, caminhando com uma lamparina na mão, enquanto tudo está escuro.
Mitra: Esse lugar me dá arrepios, sinto uma energia tão pesada.
Lícia: E ainda tem dúvidas se vai embora ou se fica.
As duas andam juntas até que dão de cara com a madre Lúcia, a luz da lamparina ilumina o rosto da madre de baixo para cima, fazendo com que fique assustadora.
Madre Lúcia: Fora da cama uma hora dessas? O que estavam fazendo lá fora?
Mitra: Nada demais, madre. Estávamos apenas observando a noite.
Lícia: Isso, exatamente isso.
Lícia pega o braço de Mitra.
Lícia: Agora vamos nos deitar, madre. Não queríamos ter perturbado a senhora, perdão. Com licença.
As duas correm para o quarto.
Mitra: Que horror, ela parecia mais uma assombração parada daquele jeito no corredor.
Lícia: Eu tomei um susto, meu coração acelerou de um jeito.
Mitra: Será que ela desconfia de alguma coisa? Da fuga?
Lícia: Não, todas as noviças que sabem estão envolvidas, não iriam contar, e elas são da maior confiança. Ah não ser que…
Mitra: O que foi?
Lícia: Giovanna estava aqui, se lembra? Abaixada, olhando debaixo das camas, se ela não viu as malas seria um milagre.
Mitra: Mas será que ela contou? Ela não faria uma coisa dessas.
Lícia: Ah, você não a conhece como eu conheço, ela com certeza faria uma coisa dessas. Giovanna sempre foi assim, difícil de se confiar. Lembro de uma vez que a madre deixou umas noviças sem comida, como castigo por desobediência.
Mitra: Que horror!
Lícia: É… Mas a gente se reuniu e juntamos alguns pães, algumas frutas, imagina, uma semana sem comer, passariam mal. Ela estava envolvida, fingiu fazer parte do plano conosco, mas de repente a madre descobriu e nos castigou também, a única que ficou sem o castigo foi Giovanna. Não teria como ter descoberto, a não ser se alguém contasse.
Mitra: E qual o intuito dela em fazer isso? Se promover perante a madre?
Lícia: Vai saber… agora, vamos dormir. amanhã será um dia cansativo.
Mitra: Vamos!
Mitra se deita, apagando a luz.
No outro dia…
Ceiça está colhendo uns ovos no galinheiro, ela sai dali caminhando em direção a casa quando percebe o barulho do chuveiro, ela se aproxima e vê que Humberto está tomando banho. Ela sussurra:
Ceiça: Seu Humberto…
Ceiça se aproxima abaixada e o fica observando atrás de umas madeiras, ela percebe Catarina se aproximando.
Catarina: O que faz tomando banho aqui fora, Humberto? E se a menina nova vê uma situação dessa?
Humberto: O que tem ela? Não me importo, é muito melhor tomar banho aqui fora, é mais fresco.
Catarina: Nós temos banheiro dentro de casa, não precisa disso.
Humberto: Mas eu quero tomar banho aqui, além de que lá dentro só tem a banheira, o chuveiro é melhor.
Humberto continua tomando banho e Catarina volta para dentro de casa. Humberto sai dali se enxugando, enrolado em uma toalha. Ceiça observa tudo.
Dentro da casa:
Ceiça: Colhi alguns ovos, vou fazer um bolo, se não se importam.
Humberto: Ah, o que é isso, fica à vontade, Ceiça. Catarina, hoje eu vou na cidade resolver alguns problemas, não se preocupe se eu chegar mais tarde, meu amor.
Catarina: Não me preocupo não, pode ficar tranquilo.
Humberto: Que bom que está começando a entender, meu trabalho demanda tempo.
Catarina: Se é que está trabalhando.
Humberto: Cansado desse tipo de discussão, Catarina. Se quer continuar desconfiando da minha pessoa, fique à vontade, não vou me cansar por causa disso.
Ceiça percebe o clima tenso entre eles.
Humberto: Ceiça, pegue minha maleta no quarto, já lhe mostrei onde fica, não é?
Ceiça: Já sim senhor, estou indo.
Ceiça entra no quarto, abre o armário, e observa todas aquelas camisas, ela olha para a maleta acima, pega ela, e fecha o armário.
(Mansão de Tânia):
Tânia: Rosinha, querida.
Rosinha: Pois não, dona Tânia.
Tânia: Querida, você por acaso se lembra daquela garota que me disse aqueles… enfim, sinais?
Rosinha: E como haveria de me esquecer?
Rosinha se senta na poltrona, mas Tânia a observa com seriedade, então ela se levanta.
Rosinha: Eu fiquei arrepiada quando soube dos desdobramentos dessa história, o mais absurdo de tudo é que ela estava certa, será que é um tipo de profeta?
Tânia: Não sei o que ela é ou deixou de ser, mas aquilo que ela disse perdura pela minha mente, não consigo esquecer, e justamente por ela estar certa. Eu queria conversar com ela, vai que ela pode interceder por mim.
Rosinha: A senhora está querendo dizer que…
Tânia: Nada. Por enquanto não quero dizer nada, primeiro eu vou ver como as coisas funcionam, quero ter certeza primeiro.
Rosinha: Ah sim, tem toda razão. Mas a senhora vai até o convento atrás dela?
Tânia: Irei, mas não será hoje, sei que está de olho querendo vir comigo, mas hoje não vai dar. Vou em outro lugar…
(Mansão de Maia):
A campainha toca, Janete abre a porta; Graça está sentada no sofá lendo uma revista quando percebe que é Clementino. Ela corre até a porta.
Graça: Clementino, meu amor.
Graça pula no colo de Clementino, rodando no ar. Ela beija ele na boca e os dois caem no sofá, se beijando e se abraçando.
Graça: Olha esse casarão, eu tirei a sorte grande, meu amor.
Clementino: Nós tiramos, não se esqueça.
Graça: Claro, nós tiramos. Venha, vou te mostrar o nosso quarto, é magnífico.
Janete fica observando.
Janete: Essa menina nunca me enganou, mas é melhor eu ficar na minha, a corda sempre arrebenta pro lado mais fraco.
A campainha toca novamente, Graça e Clementino descem juntos, de mãos dadas.
Graça: Janete, venha abrir a porta.
Eles continuam se beijando. Janete abre a porta.
Felícia: Bom dia, Janete. Graça está?
Janete: Está sim senhora, entre.
Felícia: Olá, Graça, com-.
Felícia e Clementino se encaram.
Felícia: Clementino?
Graça: Já se conheciam?
Clementino: Ah… é, nós…
Felícia: A gente já namorou no passado, foi algo breve. Enfim, nós viemos aqui te ver, Graça. Eu estava com saudades.
Felícia abraça Graça e encara Clementino atrás dela.
Graça: Ai, eu também estava morrendo de saudades de você, querida. E você, TÂNIA?
Tânia: Surpresa, meu bem? Pra você ver como o mundo gira, não é? Você disse que as portas estavam abertas para mim.
Graça: Disse e continuo afirmando, estarão sempre abertas para vocês.
Tânia: Não sabia que namorava, ou são noivos?
Graça: Não, é meu namorado mesmo, mas é claro que pensamos em casar, não é meu amor?
Clementino permanece encarando Felícia.
Clementino: É claro, vamos sim.
Felícia abaixa a cabeça envergonhada.
Graça: Vamos nos sentar, pessoal. Fiquem à vontade.
Felícia: Eu estou com uma sede.
Graça: Vou pedir para que Janete traga algo.
Felícia: Não. Não precisa, eu mesma vou buscar, é bom que eu mato a saudade da casa.
Felícia vai até a cozinha.
Clementino, disfarçadamente, vai atrás de Felícia.
Clementino: Sabia que você está ainda mais linda?
Felícia: O que? O que está fazendo aqui?
Graça: Ai Tânia, é mesmo muito inusitado a senhora aqui na minha casa, até ontem estava me xingando no dia da abertura do testamento de dona Maia.
Graça faz o sinal da cruz.
Graça: Que Deus a tenha.
Tânia: Resolvi deixar as mágoas de lado, não há porque ter essa rixa com você, afinal de contas, mamãe deixou tudo por livre e espontânea vontade, não é?
Graça: Oh, sim, com certeza. Inclusive ela me tinha como uma filha.
Tânia: Ah sim, mamãe às vezes caducava um pouquinho.
Clementino: Também tive sede, não posso? Eu sinto falta de você, Felícia. Sofro todas as noites pensando em você.
Felícia: Eu vejo o quanto sofre, tanto que me superou tão rapidamente.
Clementino: Se fiz isso, foi tentando te esquecer.
Felícia: Chega, saia de perto de mim.
Janete chega na cozinha.
Felícia: Janete, meu bem.
Felícia abraça Janete.
Felícia: Que saudade da senhora. Vou tentar convencer Graça a te deixar levar embora comigo.
Janete: Tambèm sinto saudade de ti, menina. Vê se vem aqui sempre que puder, me visitar, já estou velha, não vai demorar o dia que eu vou partir.
Felícia: Vire essa boca, Janete. A senhora vai viver muito ainda. Foi bom te ver.
Felícia sorri, mas quando olha para Clementino, seu sorriso desaparece.
A noite chega…
Todas as noviças e freiras vão se deitar depois do jantar. As noviças que vão fugir entram no quarto de Mitra e Lícia.
Lícia: E então, pegaram as suas malas? Ótimo. É agora, pessoal, vamos sair desse inferno. Só esperem elas apagarem todas as luzes.
Mitra: Tem certeza de que quer fazer isso, Lícia?
Lícia:Mitra, não adianta, não vamos mais permanecer nesse lugar deplorável, abominoso. Mas venha comigo, Mitra. Eu… eu me aproximei tanto de você, não queria te deixar agora.
Mitra: Eu também não queria te deixar, mas eu vou ficar, também estou decidida. Mas tome isso, pra você não se esquecer de mim.
Mitra entrega seu pingente com uma rosa para Lícia, a mesma se vira de costas para Mitra que coloca o pingente em seu pescoço.
Lícia abraça Mitra.
Lícia: Eu nunca vou me esquecer de você, Mitra. Nem que eu esteja bem velhinha vou me esquecer dos seus olhos, do seu sorriso, da sua pele. Você foi uma das pessoas mais especiais da minha vida, com você eu aprendi a ver um pouco de cor nesse mundo, muito obrigada.
Mitra: Obrigada por ter me acolhido aqui dentro, só queria te dizer que…
Lícia: O que foi?
Mitra: Nada, não é nada. Vou sentir saudades de todas vocês, meninas. Acho melhor vocês irem antes que alguém perceba.
Mitra fala secando as lágrimas.
Lícia agarra a mão de Mitra até que a abraça novamente e sussurra em seu ouvido:
Lícia: Eu te amo.
Lícia e Mitra se beijam fazendo com que Lícia deixe a mala cair no chão. As outras noviças ficam espantadas vendo a cena, outras ficam felizes.
Lícia: Eu te amo, Mitra.
Mitra fica observando estática e com um sorriso no rosto. As noviças saem do quarto segurando as malas e um lampião na mão.
Giovanna observa o movimento, ela se aproxima sem fazer barulho e toca o sino, gritando juntamente.
Giovanna: MADREEEEE, MADRE LÚCIA. AS MENINAS ESTÃO FUGINDO.
Lícia: O que?
Mitra ouve os gritos do lado de fora e decide sair para ver o que estava acontecendo.
Madre Lúcia: O que foi?
Giovanna: Elas estão fugindo, madre.
Madre Lúcia: Ah, se acham muito espertas, não é? Então pensaram que podiam escapar do convento assim, tão facilmente?
Mitra encara Lícia do outro lado e tem uma visão com fogo.
Um close no rosto de Mitra.
ENCERRAMENTO.
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