Estão Anabel, Leonel, Guilhermino e Valentim na frente do casarão.
GUILHERMINO: Filha de Bernardino? Nunca soube dessa história.
ANABEL: Creio que seja por que, na época em que eu nasci, vocês dois já haviam se tornado inimigos. Podemos conversar em particular?
GUILHERMINO: Claro! Vamos ao meu escritório. Quanto aos outros dois, entrem e sintam-se à vontade para tomar uma xícara de café.
Todos entram para dentro do casarão.
No escritório do Coronel, Anabel senta-se frente a frente com o homem.
GUILHERMINO: Diga o que quer. Me surpreendi com Bernardino ter uma filha, nunca me contou sobre esse fato.
ANABEL: Pelo jeito, ele não dividia nada com você. Aquele que estava ao meu lado, além de Leonel, é Valentim, outro filho de meu pai.
GUILHERMINO: É, realmente nós tínhamos uma relação que remetia muito mais a sociedade do que a amizade.
ANABEL: Sociedade essa que deve ter sido muito dolorosa ao Coronel quando foi desmanchada. Era um ótimo negócio, deveria render grandes lucros. Creio que o senhor não tenha aceitado muito bem essa perda.
GUILHERMINO: Me perdoe, mas não estou entendendo a que ponto a senhorita quer chegar.
ANABEL: Você deve saber muito bem que meu pai morreu há 17 anos atrás. E eu soube recentemente que o senhor o ameaçou de morte quando ele desmanchou a sociedade.
GUILHERMINO: Entendi… Então acha que sou responsável pela morte de seu pai? Engraçado você vir até minha casa para me confrontar. Sim, eu sei que ele morreu há tantos anos atrás, lembro até das notícias nos jornais dizendo que havia sido um assalto mal sucedido. Então me responda: como eu matei seu pai, se ele morreu num assalto?
ANABEL: Acontece, Coronel, que eu descobri que não foi um assalto mal sucedido, e sim uma morte comprada. Eu tenho apenas dois suspeitos em minha lista, e o principal é o senhor.
GUILHERMINO: Pois então vá atrás do seu segundo suspeito, porque eu garanto à moça que não tenho envolvimento algum nessa história.
ANABEL: E o Coronel teria como provar o que diz?
GUILHERMINO: Não, assim como a senhorita não tem provas concretas para sair me acusando desta forma. Você mal tem base para descobrir o que quer. Apenas alguns rumores ditos por algumas pessoas. Se quer realmente descobrir algo, tente usar algum outro método mais eficaz, porque ficar nesse joguinho, de ouvir uma fofoca de alguém e sair perguntando aos outros se é verdade, não vai lhe dar o que quer.
ANABEL: Pois eu acho que estou no caminho certo. Não simpatizei com o senhor, e a impressão que me passa é de que o Coronel é uma pessoa de muitos podres e mal caráter. Pode até ser verdade o que diz, sobre não estar envolvido na morte de meu pai, mas tenho certeza de que esconde coisas muito piores do que isso.
GUILHERMINO: Eu não posso fazer nada quanto a isso, assim como você não vai mudar nada em me dizer essas coisas. Se não gosta de mim, vá embora, pois a casa é minha.
ANABEL: Pode ter certeza de que não tenho prazer nenhum em permanecer aqui.
A moça se levanta e sai do escritório.
Leonel e Valentim estão esperando na sala de estar do casarão.
VALENTIM: E então?
ANABEL: Já terminei o que tinha para fazer, vamos embora.
LEONEL: Me esperem lá fora, vou dar uma palavrinha com o Coronel.
Os jovens vão para fora da casa enquanto Leonel vai até o escritório do Coronel.
Anabel e Valentim se escoram no carro enquanto esperam por Leonel. Flor, que estava por ali, aproxima-se.
FLOR: Bom dia! Vi que Leonel está por aqui. Meu irmão, Elias, não veio junto?
ANABEL: Não, viemos apenas nós três. Você é irmão de Elias, a professora?
FLOR: Isso! Dou aulas para as crianças daqui da fazenda.
ANABEL: Creio que não seja nada fácil aguentar um ambiente como este. Você trabalha sozinha?
FLOR: Antes era, mas agora chegou uma nova professora, a Elza, para me ajudar. Inclusive ela está casada com o Coronel.
Anabel fica pensativa.
ANABEL (Pensativa): Elza… Valentim, eu lembro vagamente de Gustavo ter dito que Elza era professora…
VALENTIM: Você acha que é a mesma pessoa?
FLOR: Vocês conhecem Elza?
ANABEL: De que lugar ela veio?
FLOR: De Roseiras, se eu não me engano, morava lá com o pai até ele falecer.
Anabel lança um olhar para Valentim.
Leonel entra no escritório de Guilhermino.
GUILHERMINO: Leonel… Não esperava que viesse conversar comigo.
LEONEL: Como poderia ir embora sem trocar uma palavra com você? Ainda mais depois do ocorrido de ontem…
GUILHERMINO: Ontem? Ocorreu alguma coisa de diferente ontem?
LEONEL: Não se faça de inocente, Guilhermino, eu sei muito bem que você está por trás disso. O seu capataz foi pego tentando incendiar minha fábrica. A minha sorte é que a polícia estava por ali investigando o atentado ao meu escritório de algumas semanas atrás.
GUILHERMINO: Leonel, não acho certo vir me acusar sem prova alguma. Jarbas não alegou que fui eu o mandante. Ele fez isso por conta própria.
LEONEL: Ora, e que motivos ele teria?
GUILHERMINO: Talvez ainda guarde rancor de quando fugiu dele naquela vez. Ainda o feriu gravemente.
LEONEL: Quem saiu com uma bala de revólver cravada dentro do corpo fui eu. Enfim, nada disso importa mais, Jarbas agora está preso e apodrecerá na cadeia.
GUILHERMINO: Pelo visto, o Delegado não lhe contou a novidade… Jarbas está solto, eu o tirei da cadeia.
LEONEL: Como? Impossível! Nós tínhamos todas as provas.
GUILHERMINO: Mas não foi o suficiente. Desculpe por frustrá-lo, mas não poderia deixar você sair sem saber disso. Afinal, não quero que morra de ataque cardíaco se encontrar com ele na rua. No final das contas, empatamos.
LEONEL: Mas tenha certeza de que eu virarei este jogo. Até mais, Coronel!
Leonel levanta de sua cadeira e se retira da sala.
Flor leva Anabel até a escola, que está sendo reerguida aos poucos. Elas vão até Elza, que brinca com algumas crianças.
FLOR: Elza, esta moça quer conversar contigo. Pode deixar que eu cuido das crianças por aqui.
ELZA: Pois não?
ANABEL: Podemos conversar a sós? Me sentiria melhor.
Elza e Anabel agora estão mais afastadas, as duas caminham enquanto conversam.
ANABEL: Nós não nos conhecemos ainda. Sou Anabel, filha de Lúcia e Bernardino Ferreira.
ELZA (Pasma): Lúcia?
ANABEL: Sim. Sei que a conheceu há alguns anos atrás, e que tinham algumas diferenças.
ELZA: Sim, isso é verdade, mas não a vejo há muitos anos… Acho que lembro de ter te visto quando era uma neném de colo.
ANABEL: Deveria ser eu mesma, sou filha única de minha mãe. Na verdade, ela morreu quando eu ainda era muito pequena.
ELZA (Estarrecida): Morta? Eu não sabia disso…
ANABEL: Não sabia mesmo? Ela e meu pai foram assassinados na saída de um teatro, há 17 anos atrás.
ELZA: Nunca fiquei sabendo dessa história, quando a vi pela última vez, parecia muito bem.
ANABEL: Mas eu achei muito estranho você sair fugida de Riacho das Rosas na mesma noite em que esse fato aconteceu.
ELZA: Você não acha que…
ANABEL: Vocês duas não se davam bem, chegou até a ameaçá-la uma vez.
ELZA: Isso não teve nada a ver com o assassinato de seus pais. Eu tive que sair às pressas da cidade, pois meu pai estava doente. Eu precisava voltar a Roseiras para cuidá-lo.
ANABEL: E você nunca mais teve contato com o pessoal de lá? Cortou todas as relações que tinha, sem mais e nem menos.
ELZA: Todos que conheci naquela cidade, eram amigos de sua mãe. Eu só queria esquecer do meu passado, de tudo que vivi quando aquela mulher apareceu na minha vida.
ANABEL: Afinal de contas, qual o motivo da briga com a minha mãe? Por que tinha tanto ódio por ela?
ELZA: Porque eu peguei ela aos beijos com o meu noivo!
Anabel fica atônita.
ANABEL: Isso não é verdade!
ELZA: É a mais pura verdade!
ANABEL: Meu pai era o seu noivo?
Elza hesita, antes de falar alguma coisa.
ELZA: Você conheceu o seu pai?
ANABEL: Eu já lhe disse que meu pai morreu junto com minha mãe. Bernardino Ferreira era o nome dele.
ELZA: Não… Seu pai não é o Bernardino.
ANABEL (Confusa): Do que você está falando?
ELZA: Sua mãe já estava grávida antes de conhecê-lo. Você é filha de outro homem, daquele que era meu noivo.
ANABEL: Você está mentindo! Eu não acredito no que você fala.
ELZA: É uma verdade dolorosa, e que você terá que aceitar.
ANABEL: Não tem como provar isso!
ELZA: Pergunte ao Doutor Gustavo, foi ele quem me contou esse detalhe.
Os olhos de Anabel se enchem de lágrimas.
ANABEL: Alguém teria me contado se isso fosse verdade. Você está mentindo! Mentindo!
A moça sai correndo de volta pelo caminho que veio. Elza fica parada, observando a cena.
ELZA: Alguém tinha que contar a verdade, mas não sou eu quem vai revelar a identidade do pai.
Anabel chega correndo no carro. Valentim e Leonel, que a esperavam, percebem que a moça está com os olhos marejados.
VALENTIM: Anabel? O que há?
ANABEL (Lacrimejando): Nada, vamos embora!
Ela sobe no carro sem falar mais nenhuma palavra. Tempo depois, o carro sai da fazenda, e os três vão embora. Elza observava tudo de longe.
ELZA: O pai verdadeiro está mais próximo do que ela pensa…
Na pensão Maria das Graças, Cássia toma conta de Tomé, dando uma sopinha em sua boca.
CÁSSIA: Está gostosa, Seu Tomé? A sopa?
TOMÉ: Eu não estou inválido, posso muito bem comer sozinho.
CÁSSIA: Mas eu não me importo de cuidar do senhor. Está sendo meu passatempo favorito.
TOMÉ: A senhora não pode ver um tipão como eu que já se derrete toda.
CÁSSIA: Todo acabado desse jeito? Agradeça o favor que estou lhe fazendo, em cuidar de uma cacura feito o senhor. Já está velho o bastante para ser jogado numa tumba.
TOMÉ: Cale-se! Sua velha…
Tomé dá um tapa no prato de sopa, que cai em cima da Dona Cássia. A velha começa a berrar, desesperada com a sopa queimando-a toda.
CÁSSIA (Gritando): TÁ QUENTE! TÁ QUENTE! AI, AI SEU TOMÉ! AI, OLHA O QUE O SENHOR FEZ!
Enquanto isso, na recepção, Jonas e Lino conversam.
LINO: Nada de Anabel hoje?
JONAS: Não, mas creio que ela esteja bem. Conversei com Gustavo, ela foi para a Vila das Camélias. E olha que coincidência, está hospedada na casa do meu patrão.
LINO: Creio que seja alguém de confiança então. Pelo menos ela está com algum conhecido.
JONAS: Sim! Eu disse que não precisava se preocupar.
Nesse momento, eles começam a ouvir berros vindo do segundo andar.
LINO: Que escândalo é esse?
JONAS: Melhor irmos ver…
Os dois sobem as escadas, depressa.
Eles chegam na frente da porta do quarto de Seu Tomé, onde percebem que é Dona Cássia gritando palavras como: “Ai, tá quente”, “Ai, Seu Tomé”, “Ai, tô me queimando toda”.
LINO: Meu Deus o que está acontecendo?
Lino chega mais perto da porta e começa a falar mais alto.
LINO: Pai? O senhor está bem? Vou abrir a porta!
JONAS: Não abra! Pelos gritos, dá a entender que seu pai está almoçando a velha. Acho que não veremos boas imagens se abrirmos essa porta…
Sai uma voz abafada de dentro do quarto.
TOMÉ: Meu filho, abre essa porta de uma vez!
Lino abre e os dois entram. Eles se deparam com Tomé tapando os ouvidos enquanto Dona Cássia pula se sacudindo e gritando, toda suja de sopa.
JONAS: Ufa!
Horas mais tarde, Débora vai até a fazenda, à procura de Guilhermino.
GUILHERMINO: Débora? Não me diga que também veio me confrontar sobre o quase incêndio da fábrica.
DÉBORA: E o que eu lá tenho a ver com isso? Vim por outro motivo, totalmente contrário a isso. Eu quero propor um acordo com o Coronel.
GUILHERMINO: Um acordo? Que tipo de acordo?
DÉBORA: Você não é o único que quer acabar com Leonel. Eu também tenho alguns motivos para querer ele no fundo do poço, e estou disposta a formar uma aliança com o Coronel.
GUILHERMINO: E que tipo de ajuda você pode me dar?
DÉBORA: Eu moro na mesma casa de Leonel. Estou sempre com os olhos e ouvidos bem atentos. Sei quem ele recebe, sei tudo o que está fazendo. Eu posso dar as informações que quiser e quando quiser.
GUILHERMINO: Acho que consigo tirar um ótimo proveito em cima disso. Mas o que você sabe até agora?
DÉBORA: Sei que há alguém dando informação daqui para Leonel. Jarbas foi preso ontem, pois Leonel já sabia do seu plano.
GUILHERMINO: E quem está fazendo isso?
DÉBORA: Quanto essa informação, eu não sei, mas posso descobrir para o Coronel…
GUILHERMINO (Sorrindo): Acho que faremos um ótimo trabalho como aliados….
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