ELZA: Leonel? Não ouço esse nome há anos… Como o Coronel conhece o homem?
GUILHERMINO: Digamos que ele tem uma dívida comigo, fugiu de mim. A senhorita deve se lembrar de quando eu mandei meu capataz, Jarbas, atrás de você em Roseiras.
Elza finalmente lembra de onde conhece o homem.
ELZA: Claro! Agora estou lembrada. Tive a impressão de que o conhecia, só não lembrava de onde.
GUILHERMINO: É uma mulher esperta, admiro isso.
ELZA: Mas não estou interessada em nada que envolva Leonel. O Coronel que me desculpe, mas eu só quero seguir a minha vida em paz, sem olhar para o passado.
GUILHERMINO: Mas você deve ter algum ressentimento neste seu coração de pedra…
ELZA: É certo de que já tive muita raiva dele, mas agora sou uma mulher, amadureci com o tempo.
GUILHERMINO: Pense melhor… Vai deixar ele sair impune depois de tudo que lhe fez?
ELZA: Mas o que o senhor propõe? Não sei onde Leonel está ou o que aconteceu com ele. Não o vejo há 18 anos. Não sei nem se o reconheceria se o visse na rua.
GUILHERMINO: Mas eu sei de tudo isso. Leonel está mais próximo do que a senhorita imagina. Inclusive, está muito ligado a esta cidade.
ELZA: Ele está aqui? Na Vila das Camélias?
GUILHERMINO: Quase isso…
ELZA: Se você sabe tanto, por que precisa da minha ajuda?
GUILHERMINO: Ter um aliado não faz mal. Além disso, adoraria ter você ao meu lado.
ELZA: Mas eu já disse que não estou interessada. Vim aqui, pois quero que o senhor reerga a escola.
GUILHERMINO: Pois eu só reerguerei se aceitar meu trato.
ELZA: Como pode? Quer que as crianças fiquem à solta enquanto seus pais trabalham no campo?
GUILHERMINO: Isso, pense nas crianças. Quer que elas fiquem à solta no meio da mata o dia inteiro?
Elza tenta conter sua raiva e respira fundo.
ELZA: Diga sua proposta.
GUILHERMINO (Sorrindo): Sabia que cederia. Para eu ter uma garantia de que não abandonará o nosso plano, quero que se case comigo.
ELZA (Furiosa): Pois fique querendo! Eu me recuso a aceitar isso.
GUILHERMINO: Mas eu só mando reerguer a escola se você se casar comigo.
ELZA: Eu posso aceitar, mas apenas se puder tirar proveito dessa situação também.
GUILHERMINO: Quer mais do que ser esposa de um dos maiores fazendeiros da região? Mais do que mandar e desmandar em tudo isso?
Elza começa a ficar tentada.
GUILHERMINO: Então? O que me diz?
Anabel caminha pelo seu belo jardim. A moça sorri enquanto observa e cheira as flores do local. Lino, do lado de fora, se aproxima da grade que cerca a grande mansão, segurando-a com suas mãos.
LINO: Anabel!
A moça sorri ao ver o rapaz.
ANABEL: Lino, entre! O portão está aberto.
Lino sai da visão dela, fazendo a volta e entrando no terreno.
ANABEL: Que surpresa tê-lo aqui.
LINO: Vim para saber como está, saímos com tanta pressa ontem.
ANABEL: Pois é! Perdoem-me por não ter dado tanta atenção a vocês, mas aquilo me deixou sem chão.
LINO: Você e o rapaz conversaram?
ANABEL: Um pouco ontem à noite e mais um pouco agora pela manhã.
LINO: Pela manhã? Ele voltou aqui?
ANABEL: Deixei que dormisse aqui.
LINO: Anabel, enlouqueceu? Você nem conhece o rapaz. Imagine se ele é algum mau-caráter.
ANABEL: Ele me contou sua história, acreditei na palavra dele. Mas, olhe, não aconteceu nada.
LINO: Ainda acho perigoso. A mim mesmo ele não convenceu.
ANABEL: Obrigada pela preocupação, Lino, mas acho que está tudo sob controle.
LINO: Está ocupada? O que acha de darmos uma volta pela praça?
ANABEL: Venha, que vou te mostrar um lugar.
Ela pega na mão dele e o puxa.
Flor está fazendo uma brincadeira com as crianças para distraí-las. A maioria está com as roupas e pele suja de barro, algo inevitável na atual situação. Elza se aproxima do local.
FLOR: E então? Como foi?
ELZA: Consegui convencê-lo.
Flor começa a pular de alegria.
FLOR (Exultante): Como conseguiu?
Ela repara na feição um pouco abatida da amiga.
FLOR: Elza, o que aconteceu?
ELZA: Eu tive que me vender ao Coronel… o preço disso será me casar com ele.
FLOR (Chocada): O quê?
ELZA: Ele marcará a cerimônia para ainda essa semana.
FLOR: Podemos reverter isso, vamos fazer alguma coisa para mudar essa situação.
ELZA: Está tudo bem. Foi uma decisão minha. Eu tive alguns motivos para ter aceitado essa condição.
FLOR: Apenas tome cuidado com o Coronel, esse homem é perigoso.
ELZA: Pode ter certeza de que eu vou estar no controle dessa situação. Agora, vamos dar um jeito nessas crianças, pois essa escola não vai se reerguer antes do casamento.
Anabel e Lino caminham pelo enorme espaço situado atrás da mansão, um longo gramado que acaba num grande penhasco.
LINO: Que lugar lindo, Anabel. Nunca tinha andado por aqui antes, e olha que já nadei muito na lagoa lá embaixo.
ANABEL: Sempre venho aqui quando quero ficar sozinha e sair um pouco de casa. Também gosto do meu jardim, mas lá eu sinto como se Mercedes estivesse sempre cuidando de mim.
LINO: Essa Mercedes… acho uma mulher tão esquisita.
ANABEL: Ela tem um jeito meio estranho, mas já me acostumei com seus costumes. Devo muita gratidão à Mercedes, ela cuidou de mim desde que era apenas um bebê, foi responsável pela minha educação, ensinou-me praticamente tudo que sei.
LINO: É isso que eu acho tão estranho, uma pessoa que cuidou de você por tanto tempo e nunca demonstrou algum afeto ou coisa do tipo.
ANABEL: Ela sempre foi rígida consigo mesma. Sempre se privou de gestos que demonstram carinho. Sempre quis deixar claro que nós duas temos uma relação de patroa e governanta, e que não deveria ocupar o lugar de minha mãe.
LINO: E ela não tem família, algum parente?
ANABEL: Nunca conversamos sobre isso, mas ela está sempre trabalhando, exceto por algumas vezes que ela sai para viajar. Nunca perguntei a ela para onde vai. Enfim, vamos parar de falar sobre Mercedes.
Eles se aproximam um pouco mais da beira do penhasco, onde sentam-se no chão, lado a lado.
LINO (Encantado): Que vista linda! Agora entendo o porquê de passar tanto tempo nesse lugar.
ANABEL: Agora, sempre que não me achar em casa, lembre-se de me procurar por aqui. Estou tão feliz por estarmos nos encontrando novamente, nos distanciamos tanto com o passar do tempo.
LINO: Realmente, éramos tão amigos quando crianças, e depois nossas conversas se tornaram tão raras.
ANABEL: Desta vez, vamos ter o cuidado disso não acontecer de novo.
Ela pega na mão dele, que fica acanhado com a atitude da moça. Os dois ficam sentados no chão, de mãos dadas e observando a paisagem.
Vitório e Tião conversam enquanto andam de carroça, transportando alguns sacos até a cidade.
TIÃO: Então quer dizer que a professora mal chegou e já arrumou um marido. O Coronel não perde tempo.
VITÓRIO: Mas acho que isso tem a ver com um assunto antigo. Ouvi umas conversas por aí, essa tal Elza, a professora, parece ser ex-noiva de Leonel.
TIÃO (Confuso): Leonel? Aquele que fugiu da fazenda?
VITÓRIO: Esse mesmo. Essa professora é a noiva traída que ele nos contou.
TIÃO: Então você acha que eles estão juntos com alguma intenção a mais?
VITÓRIO: Não posso afirmar, mas parece que Elza e o Coronel estão planejando algo…
TIÃO: Pelo menos Leonel está longe daqui, mas se ele voltar, o desastre está feito.
VITÓRIO: E eu estarei disposto a ajudar nosso velho amigo. Afinal, foi para isso que me tornei capataz de Guilhermino, para poder ajudar a todos na fazenda.
TIÃO: Tome cuidado com o que faz, Jarbas está sempre de olho em ti. Nunca acreditou que você mudou de lado.
VITÓRIO: Eu faço o que eu posso para mostrar minha falsa lealdade ao Coronel, mas se Jarbas tentar algo contra mim, terei o prazer de revidar.
Lino entra na pensão com a mente avoada. Tomé vê que o filho chegou e vai conversar com ele.
TOMÉ (Irritado): Onde o senhorzinho estava? Assim não dá, Lino! Fiquei cuidando da pensão sozinho enquanto você estava sabe-se lá onde.
LINO (Avoado): Desculpe-me, pai, isso não vai mais se repetir.
TOMÉ: Hum. Cuide da recepção enquanto eu arrumo o quarto lá em cima. Um dos hóspedes foi embora hoje.
Tomé sobe as escadas e Lino senta-se na cadeira da recepção. Ele põe os cotovelos sobre a mesa e escora o queixo sobre as mãos enquanto se lembra daquele momento: ele e Anabel, de mãos dadas, observando a bela paisagem.
LINO (Sorrindo): É, Anabel… se você sente o mesmo que eu sinto, serei o homem mais feliz deste mundo.
A noite cai. Gláucia está sentada no sofá, lendo um livro. Débora desce as escadas maquiada, bem vestida e cheia de jóias.
DÉBORA: Elias já chegou?
GLÁUCIA: Ainda não…
Ela levanta a cabeça e olha para a sobrinha.
GLÁUCIA: Débora… essa roupa… lembro que fui eu quem deu de presente à Celine.
DÉBORA: Pois é. Estava vendo o guarda-roupas de minha finada irmã, não pude deixar de ignorar um vestido tão magnífico como este, é um pecado deixá-lo guardado.
GLÁUCIA: Eu não entendo isso. Você também tem inúmeras jóias e roupas bonitas em seu armário, e mesmo assim insiste em pegar as de sua irmã. Parece que está fazendo isso apenas para provocar.
DÉBORA: E eu não entendo o porquê de todos estarem sempre contra mim. Tudo o que eu faço vocês ficam comparando com Celine. Aceitem de uma vez que ela morreu!
Ela troca de assunto.
DÉBORA: Bom, eu irei ao teatro. Não me espere acordada, pois pretendo chegar mais tarde para que Elias não me veja. Até mais!
Ela bota seu chapéu na cabeça e sai de casa.
Anabel está sentada em sua poltrona na sua biblioteca. Enquanto lê um livro, ela se lembra da tarde que teve ao lado de Lino, e ri sozinha com essas lembranças. Ela está tão distraída que se assusta ao perceber que Valentim está chamando-a.
VALENTIM: Anabel! Anabel! Está tudo bem?
ANABEL (Acordando): Está sim! Estava um pouco distraída. Me desculpe!
VALENTIM: Tudo bem.
Anabel fecha o livro e o larga sobre a mesa ao seu lado e Valentim senta na cadeira ao lado.
ANABEL: E então, o que deseja?
VALENTIM: Estou te atrapalhando?
ANABEL: Claro que não!
VALENTIM: Só estou querendo conversar. Vi que passou um bom tempo fora hoje à tarde. Fiquei sozinho aqui.
ANABEL: Me perdoe pela indelicadeza. Fui apenas dar uma volta, às vezes eu preciso de um passeio para esfriar a cabeça.
VALENTIM: Entendo. Estava sozinha?
ANABEL: Acompanhada. Meu grande amigo, Lino, estava ao meu lado. Cultivamos essa amizade desde que éramos pequenos. Afinal, ele é filho do meu padrinho. Sempre fomos muito próximos.
VALENTIM: São apenas amigos?
ANABEL (Desconfortável): Ora, claro que sim!
VALENTIM: Desculpe se a pergunta te chateou, mas acho estranho, uma moça tão bonita e delicada como você, ainda estar solteira.
ANABEL: Sinto-me muito jovem e despreparada para um romance. Eu digo que minha vida ainda nem começou de verdade.
VALENTIM: Como assim ainda não começou? Por que diz isso?
ANABEL: Fico apenas dentro desta casa. Sinto-me sem função alguma, como se fosse um doente esperando pela hora de sua morte.
VALENTIM: Mas está sempre aprendendo algo novo. Pode se sentir sem função, mas você está se preparando para assumir alguma. No final das contas, você está fazendo algo útil, ao contrário do que pensa.
ANABEL: Talvez tenha razão. Valentim, eu queria lhe pedir algo. Você diz que é filho do meu pai, e eu acredito nisso, então seria muito justo que comandasse a empresa ao meu lado.
VALENTIM: Ora, Anabel, eu nem entendo dessa parte de administração ou de finanças. Não sei como poderia lhe ajudar.
ANABEL: Eu também não sei de muitas coisas. No final das contas, aprenderemos juntos. Vez ou outra eu converso com os gerentes e o pessoal de cargo mais alto na empresa, foi assim que comecei a entender mais sobre negócios.
VALENTIM: Acho que deveria aceitar esse convite. Afinal, também sou filho de Bernardino, e seria um prazer levar o legado dele adiante.
ANABEL: Fico feliz que tenha aceitado.
A conversa é interrompida quando Mercedes abre a porta da sala.
MERCEDES: O jantar será servido.
ANABEL: Ótimo! Estamos indo.
Mercedes se retira. Valentim levanta-se de onde estava e estende a mão para Anabel.
VALENTIM: Senhorita!
Ela segura na mão dele e se levanta.
ANABEL (Sorrindo): Quanto cavalheirismo!
VALENTIM: Eu sei como tratar uma moça com respeito. Vamos para a mesa!
Os dois se retiram.
Débora está sentada nas cadeiras mais altas do teatro. Quando a atração está prestes a começar, ela vê Elias e seu amigo, Jonas, sentando do outro lado do teatro, mas bem de frente para ela.
DÉBORA (Sussurrando): Era só o que me faltava! Se ele souber que esses são os pertences de Celine, vai logo contar para o Leonel.
Ela abre um leque e põe na frente do rosto para se esconder, enquanto observa o primo no outro lado do local.
ELIAS: Já havia assistido alguma peça antes?
JONAS: Para ser sincero, nunca entrei num teatro como este antes. Obrigado pelo convite!
ELIAS: Adoro atrações como esta que assistiremos. Nada melhor do que algo assim para distrair após um longo dia de trabalho.
As luzes se apagam, sobrando iluminação apenas para o palco.
JONAS: Vai começar…
Débora aproveita a escuridão para sair do local, antes que seja vista.
Ao chegar em casa, ela se depara com Gláucia roncando no sofá da sala.
DÉBORA: Tia! Acorda tia! Acorda! A senhora já está velha, vai acordar cheia de dor nas costas amanhã.
Gláucia se levanta calmamente.
GLÁUCIA (Sonolenta): Perdi a hora aqui e acabei dormindo. Ué, voltou tão cedo?
DÉBORA: Vi o Elias no teatro, achei melhor evitar o barraco.
GLÁUCIA: Se o Leonel souber que você está usando as roupas de Celine, ele surta.
DÉBORA: Eu sei, por isso mesmo vim para casa. Agora boa noite que eu vou dormir.
Ela sobe as escadas.
Jonas chega em sua casa, um local humilde e aconchegante, após o teatro. Seu pai, Cristino, ainda se encontra acordado. O velho homem mexe em alguns papéis na mesa de jantar.
JONAS: Ainda acordado, pai?
CRISTINO: Estou resolvendo algumas coisas. A nossa situação não está nada fácil. E você, onde estava?
JONAS: Fui ao teatro com Elias.
CRISTINO: Teatro? Quanto pagou? Meu filho, você sabe que não estamos em condições de…
JONAS: Elias pagou por tudo. Ele só queria alguém que o acompanhasse.
CRISTINO: Hum! Que amigo legal esse…
JONAS: Boa noite, vou dormir!
O dia amanhece. Elza está saindo de sua pequena casa para ir trabalhar quando é abordada por Jarbas.
ELZA: O que você quer?
JARBAS: O Coronel pediu para que eu levasse a mulher até a cidade. A fim de comprar o vestido de noiva.
ELZA: Pois diga ao seu Coronel que ele está muito apressado.
JARBAS: Vai casar sem roupa, então? Pois ele marcou a cerimônia para amanhã, no final da tarde.
ELZA: Amanhã…? Me espere, vou apenas trocar minha roupa.
Ela volta para dentro da casa.
Elias e Jonas conversam enquanto trabalham no escritório da fábrica.
JONAS: Adorei a noite de ontem. Há tempos que não me divertia tanto.
ELIAS: Vamos repetir em breve! Eu faço questão de convidá-lo de novo. Que tal essa semana?
JONAS: Essa semana não dá. Meu pai está com problemas e acho melhor eu estar atento para…
Jonas é interrompido por estrondo, que faz tremer o prédio inteiro.
ELIAS (Assustado): O que foi isso?
JONAS: Não sei. Melhor irmos ver.
Os dois saem apressados. Ao chegar no final do corredor, eles vêem o ar tomado por poeira e a estrutura caindo aos pedaços.
ELIAS: O que aconteceu aqui? Este é o escritório do Senhor Leonel.
HOMEM: Explodiram uma bomba! O cofre da parede está aberto e vazio. Creio que isso tenha sido um roubo.
ELIAS: Um roubo? Roubaram o cofre da fábrica?
ENCERRAMENTO
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