Anabel acorda aos poucos. Ela se vê no porão da mansão, ainda confusa com o que havia acontecido. A moça põe a mão na sua cabeça, que sai manchada de sangue após o contato. Ela se levanta e sobe as escadas, tentando abrir a porta.
ANABEL: EI! ALGUÉM ABRE AQUI! ME TIREM DAQUI, POR FAVOR!
Do outro lado da porta, Valentim ouve a gritaria.
VALENTIM: Desculpe-me, Anabel, mas eu não posso correr risco com você solta por aí! Fique tranquila aí embaixo, enquanto decidimos o que faremos.
Anabel se afasta da porta e dá um soco na mesma.
ANABEL: Desgraçado! Você vai pagar por tudo o que está fazendo!
Ela desce as escadas e senta-se no último degrau.
ANABEL: Como eu farei para sair desse lugar? Só um milagre para me ajudar…
Elza encara Gustavo com um olhar de arrependimento. O Doutor está em silêncio, chocado.
GUSTAVO: Espere… Então esse Leonel, que é o mesmo que eu conheço, era o seu noivo?
ELZA: Isso… Grande coincidência!
GUSTAVO: E você me diz, com a maior naturalidade do mundo, que o seu marido sequestrou ele e está mantendo-o preso em algum lugar desta fazenda?
ELZA: Sim…
GUSTAVO: Elza, eu achei que você tivesse esquecido essa história!
ELZA: Eu esqueci, juro! Agora, só você me importa! Já deixei toda essa história para trás.
GUSTAVO: Então liberte Leonel, e prove que esqueceu mesmo de tudo isso!
ELZA: Eu não posso fazer isso. Guilhermino ficaria louco de ódio.
GUSTAVO: Dane-se Guilhermino! Se você quiser, a gente pode arrumar as nossas coisas e sumir do mapa, juntos! Vai ficar presa a esse homem que você não ama?
ELZA: Não sei… Dê-me um tempo para pensar!
GUSTAVO: E Leonel tem todo esse tempo? Acha certo deixá-lo preso lá? Estou muito decepcionado com você. Vejo que aquela moça imatura e mal-resolvida ainda vive dentro de ti. Realmente, não sei por que eu perdi meu tempo vindo te procurar…
Gustavo vira as costas e sai do quarto. Elza tenta chamá-lo, mas é inútil. A mulher se deita na cama, triste.
Gustavo vai até a sala do casarão, carregando suas malas. Guilhermino se surpreende com o homem ali.
GUILHERMINO: Não me diga que está indo embora. Assim, tão de repente?
GUSTAVO: Acho que já resolvi tudo que tinha para resolver por aqui.
GUILHERMINO: Espere um pouco! Vou pedir para que Jarbas chame um carro de aluguel para o Doutor.
GUSTAVO: Está bem!
Gustavo se senta no sofá para aguardar. Jarbas entra no casarão e o Coronel troca meia dúzia de palavras com ele, e depois volta a falar com Gustavo.
GUILHERMINO: Pronto, já dei as ordens!
GUSTAVO: Ótimo!
Após um longo tempo de espera, o carro chega, e Gustavo entra no automóvel. Elza observa a cena pela janela, arrependida do que fez. O carro dá partida, e Guilhermino abre um grande sorriso.
GUILHERMINO: Vá com Deus, ou com o diabo, e que não volte nunca mais!
O carro anda pela estreita estrada de chão. Gustavo olha pela janela, pensativo com tudo o que aconteceu.
MOTORISTA: O senhor ainda não me disse para onde quer ir.
GUSTAVO: Para a Delegacia! Quero resolver um assunto.
O carro segue andando pela estradinha, até que um estouro é ouvido.
GUSTAVO (Preocupado): Que barulho foi esse? É problema no motor do automóvel?
MOTORISTA: Não, senhor! Isso me parece mais como um disparo de arma.
Um dos vidros do carro se quebra com mais um estouro. Deixando-os em pânico.
GUSTAVO: Acelere isso! Estamos sendo atacados!
Mais um estouro é ouvido, com a bala da arma pegando na lataria do carro. Mais uma é disparada, atingindo o motorista que grita de dor e desmaia no volante. E o último disparo atinge o peito de Gustavo, que fica desacordado nos bancos de trás enquanto seu sangue derrama pelo veículo.
Lino prepara o almoço da pensão, visivelmente nervoso.
LINO: Já estamos há dias sem receber notícias de Anabel. Se ela não aparecer mais hoje, amanhã mesmo eu vou atrás dela naquela mansão.
TOMÉ: Dessa vez, até eu estou preocupado. Vá mesmo, meu filho! Eu me sentiria muito culpado se algo acontecesse com minha afilhada.
LINO: Eu também… Me culparia tanto se algo acontecesse com ela. E eu estou com muito mais medo depois que ela aparentou estar acreditando de novo em Valentim.
TOMÉ: Você não acha que ela seria tola a esse nível, acha?
LINO: Não sei, mas ele é muito esperto… Com certeza deve estar fazendo alguma coisa para tentar mexer com a cabeça dela.
Elza desce as escadas, ainda abatida. Ela para quando ouve uma conversa vindo do escritório de Guilhermino. A mulher se aproxima, para ouvir do que se trata.
JARBAS: Tudo ocorreu muito bem, Coronel! A essas horas, o médico já deve ter partido dessa pra melhor.
GUILHERMINO: Ótimo trabalho, Jarbas, você nunca me decepciona! Algo mais que tem para comentar?
JARBAS: Tem essa função do tal Vitório ainda. Ele não descansa em procurar o cativeiro de Leonel. Às vezes perco ele de vista, tenho medo de que ele acabe achando o que tanto procura.
GUILHERMINO: Tenha paciência! Nos livraremos dele logo depois de nos livrar de Leonel…
Elza ouve tudo, horrorizada. A mulher volta para o seu quarto, antes que eles a vejam.
ELZA (Apreensiva): O que eles fizeram com Gustavo? Jarbas disse que ele já deve ter partido dessa para melhor… E quanto a Leonel e esse tal de Vitório, eles pretendem matá-los? Alguém tem que parar o Coronel, isso tudo já está passando dos limites!
Tião anda de carroça pela estrada e encontra o carro parado no meio do nada. Ele desce de sua locomoção e anda até o automóvel que foi vítima de um atentado, e fica horrorizado com o que vê. O homem checa os batimentos do motorista.
TIÃO: Está morto…
Ele vai até o banco de trás, e verifica os sinais de Gustavo.
TIÃO: Por um milagre…
Ele carrega o médico desacordado e põe em cima de sua carroça. Depois, ele carrega o corpo do motorista e bota ao lado do outro, dando partida logo após.
Horas mais tarde, Elza e Guilhermino conversam na sala de estar.
GUILHERMINO: Não foi para a escola hoje?
ELZA: Acordei um pouco indisposta. Percebi que o Doutor Gustavo já partiu…
GUILHERMINO: Pois é, parecia apressado. Sabe se aconteceu alguma coisa?
ELZA: Eu? Por que eu saberia? Eu não sei de nada.
Tião entra correndo no casarão.
TIÃO: Desculpe, Coronel, mas vim avisar sobre algo que aconteceu pela região.
GUILHERMINO: Desembucha!
TIÃO: O Doutor Gustavo… Sofreu um atentado a caminho da cidade.
Guilhermino finge surpresa, enquanto Elza sente uma pontada no peito.
GUILHERMINO: Não me diga que…
TIÃO: O motorista, infelizmente, não resistiu. Quanto ao Doutor, está vivo!
Guilhermino sente um desgosto ao ouvir tais palavras. Elza se sente aliviada, e solta um suspiro.
GUILHERMINO (Disfarçando): Ainda bem que Deus salvou a alma do homem!
No outro dia de manhã, Lino vai atrás de Anabel na mansão. Ele toca a campainha e é recebido por Valentim.
VALENTIM: Ora ora… O que faz aqui?
LINO: Vim atrás de Anabel, quero conversar com ela.
VALENTIM: Anabel? Eu não sei se você sabe, mas ela não mora mais aqui.
LINO: Mas está trabalhando aqui. Sei que é está na hora de trabalho dela, mas preciso conversar com ela urgentemente.
VALENTIM: Trabalhando? Não sei do que está falando, Anabel não trabalha aqui. Afinal, por que contrataríamos logo ela?
No porão, Anabel ouve a campainha tocar e começa a gritar por ajuda, em todos os cantos do local sujo e úmido. Na entrada da mansão, é possível ouvir distantemente os gritos.
VALENTIM: Deve estar enganado. Bom, se era só isso, peço que se retire.
Lino deixa que o rapaz fecha a porta, e se concentra em ouvir os gritos de Anabel. Ele faz a volta na casa, e acha uma pequena janelinha que dá no subterrâneo. Ele se abaixa e começa a conversar com ela.
LINO: Ei, Anabel, estou aqui!
Ela corre até onde ele está, vendo apenas o seu rosto.
ANABEL: Eu achei algumas provas, mas eles me prenderam aqui.
LINO: Eu vou dar um jeito de te salvar, não se preocupe! Fique atenta, mais tarde eu volto para buscá-la!
ANABEL: Não demore, por favor!
Lino se afasta da janela, deixando-a sozinha.
Vitório e Tião conversam à sombra de uma árvore. Elza se aproxima deles.
ELZA: Olá, com licença! Você que é o Vitório?
VITÓRIO: Sim, sou eu!
ELZA: Será que poderíamos falar a sós?
Elza e Vitório estão num local mais isolado, onde ninguém possa os ver.
ELZA: Soube que está atrás do cativeiro de Leonel, é verdade?
O homem se assusta com a pergunta.
VITÓRIO: Bem, é…
ELZA: Não tenha medo de me contar! Quero que me ajude a resgatá-lo. Sei onde está, só preciso de ajuda para libertá-lo.
VITÓRIO: A senhora? Não esperava por isso…
ELZA: Quero me redimir de tudo que fiz. Hoje, no meio da tarde, nós vamos até lá.
VITÓRIO: Estarei preparado!
Algumas horas se passam. Lino entra no terreno da mansão e tenta achar algum lugar por onde possa entrar sem ser visto. Ele entra por uma janela que estava aberta, e para num dos grandes corredores da enorme casa. Após atravessar alguns cômodos, com muito cuidado para não ser visto, ele chega na porta do porão, trancada. O rapaz joga o peso do seu corpo contra a porta e consegue arrombá-la. Anabel corre até ele e o abraça.
ANABEL: Que bom que chegou! Eu não aguentava mais aquele lugar.
LINO: Agora que está salva, vamos embora daqui!
ANABEL: Antes precisamos pegar a prova. Está lá no andar de cima.
LINO: Você não acha que é perigoso?
ANABEL: Mas essa é a nossa melhor chance! Precisamos ir até lá.
LINO: Tudo bem, mas precisamos ter o máximo de cuidado para que eles não nos vejam.
Lino e Anabel seguem andando cuidadosamente na direção da escada.
Elza e Vitório se encontram como o combinado. Vitório segura uma barra de ferro para quebrar o cadeado do cativeiro.
ELZA: Vamos lá! Temos que ser rápidos antes que alguém nos veja.
Os dois saem andando apressadamente na direção dos vastos campos de plantação.
Anabel pega mais uma das cartas que estavam guardadas no seu quartinho de empregada. Lino fica cuidando do corredor.
ANABEL: Pronto, agora podemos ir!
LINO: Nenhum deles apareceu. Vamos, antes que o pior aconteça.
Os dois saem do quartinho e correm pelo corredor, descendo as escadas logo depois. Quando estão prestes a sair pela porta da frente, Valentim e Mercedes surgem num canto da sala.
VALENTIM: Veja só, mamãe! Eu disse que ele voltaria.
MERCEDES: Veio resgatar a sua princesinha? Acharam mesmo que poderiam sair sem que percebêssemos… O que tem em mãos aí?
Anabel olha para Lino.
ANABEL: O melhor que podemos fazer é correr!
Rapidamente, ela abre a porta e sai correndo para o lado de fora da mansão, puxando seu amado pela mão.
MERCEDES: O que está esperando, Valentim? Não os deixe fugir!
Valentim corre atrás deles e, num passo mais lento, Mercedes tenta alcançá-los.
Leonel está solitário em seu cativeiro. Sua aparência está melhor que da última vez, alguns machucados cicatrizados e ele consegue se mover melhor novamente. Ainda há alguns hematomas e feridas, que deixam claro que ele ainda não está totalmente recuperado. Ele leva um susto ao ouvir estrondos vindo da porta do local. A mesma se abre, e Vitório surge através dela.
VITÓRIO: Leonel, graças a Deus eu te encontrei!
LEONEL: Como me achou? Jarbas não está por perto?
VITÓRIO: Creio que não… Vamos logo ir embora daqui.
Vitório ajuda o homem a levantar, apoiando-o sobre si. Os dois saem de dentro do local, onde Elza os espera. Leonel se surpreende ao vê-la.
ELZA: Sigam por aquele lado! Eu tentarei fazer com que Guilhermino e Jarbas demorem a perceber seu sumiço.
VITÓRIO: Obrigado, Elza!
LEONEL: Eu nem sei o que dizer…
ELZA: Agora vão, antes que alguém chegue!
Lino e Anabel correm pela beira do penhasco, onde se encontravam antes. Valentim está na cola deles, chegando cada vez mais perto. Mercedes surge mais distante deles, observando tudo.
LINO: Continue correndo, vou atrasá-lo!
ANABEL: O quê?
Lino para de correr e espera Valentim chegar até ele. Os dois se agarram, entrando numa luta corporal. Valentim tenta empurrar Lino penhasco abaixo, mas o rapaz joga seu peso contra ele derrubando-o no chão e caindo por cima dele. Valentim se levanta, e começa a socar o rosto do inimigo e a chutar seu estômago. Anabel para de correr, observando os dois, preocupada.
VALENTIM: Eu não vou deixar vocês saírem ganhando dessa. Fique aí, agonizando de dor, enquanto eu cuido de Anabel.
Valentim levanta, prestes a correr atrás moça, quando Lino, ainda deitado no chão, lhe dá um chute. O vilão se desequilibra, dando passos para trás e seu corpo vai de encontro com a lagoa no pé do penhasco. Anabel e Mercedes veem a cena horrorizadas. O corpo sem vida de Valentim flutua na água lá embaixo, deixando clara a sua morte.
Vitório e Leonel seguem por um caminho, perto da cerca da fazenda.
VITÓRIO: Por aqui é mais rápido de chegar na estrada.
Jarbas surge mais na frente dos dois.
VITÓRIO: Ferrou! Passe pela cerca e faça como eu estava falando, vou cuidar do Jarbas.
LEONEL: Não precisa disso, eu me entrego!
VITÓRIO: Não, vá logo!
Leonel se solta de Vitório e segue seu caminho, mancando. Vitório vai na direção de Jarbas.
JARBAS: Vocês não vão sair vivos dessa!
VITÓRIO: Eu posso até não sair, mas Leonel irá!
Vitório corre na direção de Jarbas, a fim de imobilizá-lo. O capataz rapidamente puxa sua arma e dispara um tiro contra o abdômen do homem. Vitório continua mesmo assim e pula sobre ele. A arma cai afastada dos dois, e eles entram numa luta para tentar pegá-la. Uma das mãos consegue alcançá-la, e é ouvido um disparo. A bala atravessa o corpo de Jarbas, que cai morto sobre Vitório. Ele afasta o capataz de si, todo ensanguentado e tenta correr nas suas condições.
À noite, Débora e Elias chegam do escritório após um longo dia de trabalho.
DÉBORA: Que dia cansativo! Acho que nunca trabalhei tanto na vida.
GLÁUCIA: E toda arrumadinha com as roupas de sua irmã. Não sei o porquê de ir toda empreriquitada assim apenas para trabalhar.
DÉBORA: Eu posso, titia! Agora eu posso fazer tudo o que eu bem entender. Leonel me deu o livre arbítrio sobre tudo que diz respeito à nossa família. Me deu o direito de usar as joias e roupas de Celine, e ainda assumir os negócios. Ele botou todo o poder em minhas mãos, eu estou apenas utilizando.
LEONEL: Que história é essa, Débora, que eu não estou sabendo?
Débora gela ao ouvir aquela voz. Ela se vira e vê o homem descendo as escadas, com certa dificuldade. Ele ainda está com marcas dos seus ferimentos, mas agora com curativos pelo corpo e o braço enfaixado.
LEONEL: E então? Explique-me direito essa história, pois não me recordo de nada disso.
FIM DO CAPÍTULO
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