Alto Agito | Capítulo 16
“Esta é uma obra de ficção coletiva baseada na livre criação artística e sem compromisso com a realidade".
CENA 01. INT. MELHOR ESCOLHA. PÁTIO. DIA
O pátio da escola está cheio. Alunos espalhados em cadeiras de plástico, professores observando de longe. O burburinho é constante. Se encerra uma palestra sobre abuso sexual
Lorenzo, Mathew e Lucas estão em cadeiras próximas. Seus olhares cruzam discretamente, desconfiados e alertas.
Lorenzo tamborila os dedos na perna.
Mathew observa Lucas de esguelha.
Lucas finge estar tranquilo, mas seus olhos entregam a ansiedade.
O som do microfone chiando interrompe o ambiente.
VERÔNICA — Boa tarde, pessoal.Hoje nós teremos um momento importante. O que vocês vão ouvir é um caso real de uma pessoa muito corajosa e resiliente. Escutem com bastante atenção e empatia. Convido ao palco... Lucas.
O barulho no pátio diminui. Alguns alunos se entreolham curiosos. Lucas se levanta devagar. Passa por Lorenzo e Mathew sem trocar palavra.
Enquanto Lucas sobe os poucos degraus do palco, Thalita se ajeita na cadeira, cruzando os braços com desdém. Ela fala alto.
THALITA — Sério isso? O sumido agora é estrela?
Alguns colegas abafam risadinhas.
Lorenzo aperta a mandíbula. Mathew baixa o olhar.
THALITA — Qual o depoimento que ele vai dar? Como é perigoso fugir com o namorado pro meio do mundo. Fácil se arrepender depois que a merda foi feita.
LORENZA — Thalita, já chega.
Thalita olha para Lorenzo, encoleirada. No palco, Lucas respira fundo. Ajeita o microfone com as mãos trêmulas.
Ele fecha os olhos por um instante, buscando forças.
LUCAS — Boa tarde. Muitos de vocês já me conhecem, outros não.
A plateia silencia aos poucos.
LUCAS — Eu sei que, desde que voltei, muitas histórias surgiram sobre mim.
Histórias que não têm ideia do que eu realmente vivi.
Mathew e Lorenzo trocam um rápido olhar.
LUCAS — Meu nome é Lucas.. . E eu fui vítima de abuso sexual durante anos.
Um choque percorre a plateia. Um ou outro som abafado. Todos param para ouvir.
LUCAS — O meu agressor era alguém muito próximo da minha família. O nome dele é Caco Barcellos. Ninguém sabe nada sobre ninguém. Ninguém sabe como é a nossa vida fora da escola, pra onde você vai quando diz que vai pra casa, se você está falando a verdade quando diz que seu dia foi bom… Meu nome é Lucas e eu sofro abuso desde dos meus doze anos de idade.
Mathew e Lorenzo prestam atenção, claramente abalados, e Thalita, impressionada. Lucas olha todas as pessoas com seus olhos vidrados nele.
LUCAS 一 No meu caso foi um rapaz que um dia chegou na minha casa e prometeu cuidar de mim enquanto minha mãe trabalhava. No começo eram carinhos e beijos pegajosos. Eu não gostava de nada disso e demorei a entender que eu não tinha muita escolha. Eu podia ter falado pra alguém, ou pedido ajuda, ou contado tudo para a minha mãe. Quando se tem doze anos e ouve que vai ter a vida da sua própria mãe arruinada, a única coisa que você tem para se agarrar é a sua coragem. Ninguém acreditaria em mim de qualquer forma. Ele era… simpático, sorridente, legal com as pessoas, ajudava as senhoras a carregar as sacolas da compra, ia à igreja aos domingos, estudava. Ele não tinha motivos para ser um abusador (ri de nervoso) Motivos… Escuta pode ser qualquer pessoa. Abusadores, estupradores eles não precisam de motivos. Eu queria poder ter feito diferente, mas…
O áudio fica em off. CAM pega as reações das pessoas ao ouvir a história, inclusive as de Lorenzo e Mathew, Lorenzo abre a boca, leva um choque e senta na cadeira. Mathew apenas atônito, chora. Ariadne também. Thalita se segura.
LUCAS 一 O nome do meu agressor é Caco Barcellos. Na noite que eu sumi, foi ele quem me sequestrou e eu fui mantido em cativeiro por um bom tempo. Depois eu consegui fugir e faz um bom que eu não o vejo, mas ele está por aí, solto. Então, se alguém estiver passando pela mesma coisa em casa, procure ajuda, fala para um amigo, para a professora da escola, expõe na internet, faz alguma coisa. Violência sexual é crime e você não está sozinho. Obrigado.
Lucas acaba de falar e logo é aplaudido por toda a escola. Ele sorri diante do apoio dos colegas, que fervorosos gritam seu nome em coro, com uma sequência de palmas cada vez mais fortes.
CORTA PARA:
CENA 02. EXT. MELHOR ESCOLHA, FACHADA. DIA.
Lucas sai do Melhor Escolha seguido de muitas pessoas, cumprimentando-o, demonstrando sua empatia, com todas as atenções nele. Ele agradece a todos.
Lorenzo abre caminho no meio das pessoas. Pega Lucas pelo braço.
LORENZO — Eu preciso falar com você.
LUCAS — Não sei se temos o que falar, Lorenzo.
LORENZO — É claro que temos. Vem comigo.
Lorenzo sai puxando Lucas pelo braço para dentro do colégio novamente.
CORTA PARA:
CENA 03. EXT. CAMPO DE FUTEBOL. COLÉGIO MELHOR ESCOLHA. DIA.
Lorenzo e Lucas chegam no gramado do campo de futebol. Lucas se desvencilha de Lorenzo.
Lorenzo anda mais um pouco. Lucas prefere ficar para trás
LUCAS — Já chega, Lorenzo! A gente veio até aqui. Fala logo o que você quer comigo.
Em Lorenzo. Ele fecha os olhos, em agonia, e volta-se para Lucas.
LORENZO — Eu quero te pedir desculpa. Eu quero te dizer que eu errei e que eu devia ter adivinhado que o Caco tinha alguma coisa a ver com o seu sumiço, mas eu…
LUCAS — Você preferiu acreditar no que a sua namorada disse. Eu entendo, Lorenzo. É só?
LORENZO — Não, não é.
Lorenzo encara Lucas. Os dois ficam se entreolhando. De repente, uma chuva fina começa a cair sobre o campo.
LUCAS — Fala. Fala logo que eu preciso ir. Não quero pegar chuva até em casa.
LORENZO — Dane-se a chuva.
LUCAS — Para você é muito fácil jogar tudo para o ar, mas a vida não funciona assim.
LORENZO — Eu te amo, Lucas.
Lucas se cala. Olha para Lorenzo um momento.
SONOPLASTIA: Flowers In December — Mazzy Star.
LUCAS — Do que é que você está falando?
Lucas dá as costas e começa a ir embora. Lorenzo vai atrás.
LORENZO — Eu tô falando do que a gente sente um pelo outro. Eu te amo. Precisamos conversar sobre isso.
LUCAS — Não temos!
LORENZO — Eu não sei mais o que eu faço. Não consigo mais lutar contra esse sentimento.
LUCAS — Se até ontem você me odiava!
LORENZO — Eu sinto sua falta o tempo todo. Eu penso em você vinte e quatro horas por dia!
Lucas passa as mãos nos cabelos molhados, tentando fugir de Lorenzo, que lhe agarra o braço novamente e o traz para junto de seu corpo.
LUCAS — Me solta, Lorenzo. Você tem namorada.
LORENZO — Não é ela que eu amo.
LUCAS — Então diz isso pra ela.
Em Lorenzo e Lucas, com os rostos colados, lutando contra a incontrolável vontade de se beijarem.
LORENZO — Me diz que você não sente nada por mim. Olha na minha cara e me diz.
LUCAS (firme) — Eu não sinto nada por você.
LORENZO — É mentira. É mentira.
Lorenzo beija Lucas, que inicialmente tenta resistir, mas em seguida entrega-se completamente ao beijo molhado. DETALHE: Os dedos de Lucas adentrando nos cabelos úmidos de Lorenzo. Os lábios dos dois num encaixe perfeito e a intensidade com que coreografam o ato apaixonado, sem folga para respiração.
Lucas se afasta de Lorenzo, ofegante, afetado. Nessa altura, a chuva cai mais forte.
LUCAS — Cê não devia ter feito isso!
LORENZO — Essa me pareceu a coisa mais certa que eu fiz nesse último ano. Fica comigo, Lucas. Namora comigo. Se você me disser que sim, eu termino agora mesmo com a Thalita.
Lucas e Lorenzo se olham em silêncio. Lucas, hesitante, nega com a cabeça e sai apressado para longe de Lorenzo.
LORENZO — Lucas!
Lorenzo engole, observando Lucas se afastar. CLOSE UP em seu rosto.
CORTA PARA:
CENA 03. EXT. MELHOR ESCOLHA. FACHADA. DIA.
Chuva intensa. Lucas acaba de sair da escola. Ele chora, bastante abalado. Se encosta no muro e tenta respirar.
De repente, um ronco de motor. Uma moto para em frente à escola. Mathew tira o capacete, olhando na direção de Lucas.
Lorenzo acaba de sair da escola, flagrando Mathew. Lucas, então, percebe a presença dos dois.
VOLTA em Mathew.
MATHEW — Lucas!
Mathew estende a mão na direção de Lucas. Ele aguarda pela decisão do garoto. Experimenta um pouco da água da chuva de seus lábios.
Lucas olha para Lorenzo, ainda muito abalado, e depois para Mathew.
LORENZO (sussurrando) — Por favor…
Lucas, enfim, tomando uma decisão, corre em direção à Mathew. Ele sobe na garupa da moto.
LORENZO — Lucas. Não!
LUCAS — Me leva embora daqui, por favor!
Mathew olha rapidamente para Lorenzo e sorri de lado. Põe o capacete e arranca com a moto, deixando Lorenzo para trás.
CORTA PARA:
CENA 04. EXT. CASA DE LUCAS. FRENTE. NOITE.
Chove sem parar. As gotas martelam o guarda-chuva preto que cobre Thalita da cabeça aos pés. Ela está diante da casa de Lucas, com o casaco encharcado e os olhos fixos na porta da frente.
Ela toca a campainha. Silêncio. Toca de novo. Nada.
THALITA — Claro... Se esconde de novo.
Ela dá um passo pra trás, respira fundo, olha para os lados. Percebe que está sozinha na rua.
THALITA — Aquela história que ele inventou não me convence em nada. Vou descobrir se ele esconde ou não alguma coisa. Agora.
Ela se aproxima da maçaneta da porta e tenta girar, mas está trancada. Força a abertura, mas desiste.
THALITA — Droga...
Ela recua, analisa a casa, dá a volta rápida até uma LATERAL, onde há uma janela da lavanderia, entreaberta, mas trancada por dentro. Thalita olha para o guarda-chuva. Suspira.
THALITA — Desculpa, Chanel...
Com força, estilhaça o vidro com o cabo do guarda-chuva. O som do vidro quebrando se perde com o barulho da chuva.
Ela destrava a janela por dentro, empurra e entra com dificuldade.
CORTA PARA:
CENA 05. EXT. MANSÃO DE MATHEW. PISCINA. NOITE.
Está Mathew. Ele vê seu reflexo na água azul da piscina. Toca uns acordes de violão.
Foco em Lucas, saindo de dentro da casa e caminhando até onde ele está.
LUCAS — Obrigado por ter me emprestado suas roupas.
Mathew olha para Lucas.
MATHEW — Ficou melhor em você.
Lucas senta-se. Mathew põe o violão de lado.
MATHEW — O Lorenzo já foi jogar papinho pra você, não foi?
Lucas fica sério.
LUCAS — Não quero falar disso agora.
MATHEW — Você ama ele. Está na sua cara.
Mathew sorri com desdém.
LUCAS — Mathew…
MATHEW — Eu sei que eu fico sobrando nisso tudo, mas eu gosto de você tanto quanto aquele idiota. Eu daria tudo para que você olhasse para mim como olha para ele, e que perdesse o ar quando ouvisse meu nome, assim como você perde quando escuta o nome dele.
Mathew olha para a piscina com os olhos marejados.
MATHEW — Quando você sumiu eu pensei que fosse morrer. Foi o pior ano da minha vida, mas quando você apareceu naquela sala, eu… senti que respirava de verdade.
LUCAS — Mathew, eu não quero te sofrer. Eu não quero que ninguém sofra, mas às vezes eu pareço encurralado, traído pelos meus próprios sentimentos.
MATHEW — Lucas, eu não tô pedindo para que você me ame, nem ao menos que você goste de mim agora.
Mathew ia terminar a frase, mas perde a voz. Seu rosto fica vermelho e o ar vai lhe abandonando.
MATHEW — Eu só tô pedindo, eu tô implorando… para que você me escolha. Eu tô pedindo, pelo amor de Deus, que você me dê uma chance. O amor na nossa idade pode ser uma encrenca, mas eu quero te provar o quão tudo isso pode ser doce.
Mathew afaga o rosto de Lucas com as mãos e se aproxima lentamente de seu rosto. Lucas fecha os olhos e Mathew o beija suavemente. Depois ele o beija com mais intensidade, como se doesse e logo depois o aliviasse.
Eles se separaram e entre os dois surge a imagem de Lorenzo, a poucos metros de distância.
LORENZO — Eu sabia que ia você ia estar aqui.
Assustado, Lucas se levanta.
LUCAS — Lorenzo? O que você está fazendo aqui?
Mathew se levanta também, encarando Lorenzo, que se aproxima dos dois e os encara de volta.
LORENZO — Eu vim aqui para resolver essa história de uma vez por todas.
CORTA PARA:
CENA 07. INT. CASA DE LUCAS, LAVANDERIA. NOITE.
Thalita escorrega um pouco no chão molhado ao entrar, mas se recupera.
Puxa o celular do bolso, liga a lanterna.
A luz percorre o espaço: cestos, produtos de limpeza, roupas estendidas.
THALITA — Por onde eu começo? Pelo quarto! Na lavanderia é que não pode ser.
Ela dá um passo. Som oco.
Ela para. Franze o cenho. Pisa de novo.
Estranha.
THALITA — O que é isso?
Ela ilumina o chão, percebe um tapete antigo, meio puído no canto. Ajoelha-se, puxa o tapete com cuidado.
Debaixo dele, uma tampa de madeira, com uma alça de ferro enferrujada.
Ela engole em seco.
CORTA PARA:
CENA 08. EXT. MANSÃO DE MATHEW. PISCINA. NOITE.
Continua. Lucas se afasta um pouco e fica de frente para Lorenzo e Mathew.
LORENZO — Essa história já foi longe demais. Está na hora de tomar uma decisão, Lucas
Mathew olha para Lorenzo e depois para Lucas.
MATHEW — Ele tem razão. Estamos os três aqui. Chegou a hora de escolher. Com qual de nós dois você quer ficar de verdade?
Em Lucas, encurralado.
CORTA PARA:
CENA 09. INT. CASA DE LUCAS. PORÃO. NOITE.
Som das correntes. Caco, sujo, com o cabelo desgrenhado se aproxima da parede de concreto e começa a socar com força, gritando:
CACO — LUCAS! Tô com fome, porra!
VOCÊ ACHA QUE PODE ME DEIXAR AQUI EMBAIXO COMO UM ANIMAL?
Ele chuta a parede. As correntes tilintam alto.
CACO — SEU MALDITO! EU VOU TE FAZER PAGAR POR ISSO!
Eco. Silêncio por alguns segundos. Ele respira ofegante, suando, transtornado.
CENA 10. INT. CASA DE LUCAS. LAVANDERIA. NOITE.
Thalita, ainda iluminando o chão com o celular, põe o ouvido sobre a porta de madeira. Ela se concentra em tentar ouvir alguma coisa. Seu rosto empalidece.
Ela dá um pulo pra trás, ofegante.
THALITA — Meu Deus…Tem alguém morando aqui embaixo.
Hesita. Com as mãos trêmulas, ela segura a maçaneta da porta do porão.
Rangido. A porta se abre lentamente.
CENA 11. CASA DE LUCAS. PORÃO. NOITE.
A escada range sob os passos cautelosos de Thalita. A lanterna do celular ilumina os degraus de madeira velha. O som das correntes fica mais alto. Uma respiração pesada ecoa.
Ela chega ao fim da escada. A luz revela Caco, ajoelhado, acorrentado, encarando-a.
Thalita trava. O celular quase cai de sua mão. Seus olhos arregalados, sem saber se grita ou corre.
Foco em Caco. Um brilho surge em seus olhos.
CACO — Oi, bonitinha.
CENA 12. EXT. MANSÃO DE MATHEW. PISCINA. NOITE.
Em Lucas. Ele pensa, muito emocionado. Umedece os lábios.
Mathew e Lorenzo aguardam.
LUCAS — A minha vida inteira eu tive que fazer escolhas. Eu abri mão de muita coisa que não me levou a lugar nenhum. Não posso mais fazer comigo, não posso escolher algo que vai me ferir. Ou isso, ou aquilo. Para mim, não. Agora eu quero tudo! Por isso, dessa vez, eu vou ser egoísta.
LORENZO — O que você quer dizer com isso?
LUCAS —
Que eu não vou escolher entre você ou ele. Eu quero os dois, ou nenhum.
Em Lorenzo e Mathew, atônitos. Surpresas, se olham rapidamente. Volta em Lucas.
LUCAS — Agora é vocês quem têm que escolher.
FIM DO CAPÍTULO | EVERTON B DUTRA
OBRA REGISTRADA E PROTEGIDA PELA LEI N° 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO, DE 1998. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

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