novela de
João Daniel
PRIMEIRO CAPÍTULO:
Santa Esperança, 1978
A cidadezinha de Santa Esperança parecia uma pintura em movimento. Tinha todo um charme, as casas ainda no estilo colonial, os lindos parques, as pessoas vivendo ali felizes com a tranquilidade do local. No entanto, nem tudo eram flores na cidade. Sob toda essa harmonia, havia as tensões de uma sociedade conservadora.
Mais adiante surge a imagem da mansão da família Barros de Albuquerque, era linda, bem arborizada, parecia ter brilho próprio. Ali vivia Clara, uma moça de beleza cativante, mas o que realmente chamava a atenção era sua postura desafiadora. Apesar de ter crescido cercada por privilégios, era comunista ferrenha, pra época que vivia, era um absurdo uma moça ter ideais desse tipo.
Clara estava sentada numa cadeira de balanço na varanda do seu quarto, lia um livro, “Laços de Família” de Clarice Lispector, quando sua leitura foi interrompida pelo suave chamado de Janete, sua empregada e quase-mãe:
— Clara! O almoço já está pronto, minha linda, vamos pra sala de jantar? Sua mãe e seus irmãos estão à sua espera. — diz Janete.
— Já estou indo, Janetinha! Diga a eles que não demoro mais do que cinco minutos! — disse Clara já se levantando da cadeira.
— Estou indo dizer a eles. Cumpra sua palavra, hein, mocinha?
— Tá bom, Janetinha. Juro de pés juntos que chego em até cinco minutinhos.
Clara marca a página que estava a ler e fecha seu livro. Guarda-o na sua estante, já lotada de tantos livros. Ela é muito apegada a eles, mas decidiu que está mais do que na hora deles terem novos donos. Ela desce rapidamente as escadas e já vai em direção a mesa de jantar. Lá estão sua mãe, Helena, e seus três irmãos, Bernardo, Otávio e Renata.
— Uma boa tarde pra todos vocês, meus amores. Vamos comer? – diz Clara, empolgada.
— Meu Deus do céu! Você cumprindo com o horário, é o fim dos tempos mesmo, bem que o povo da igreja fala. — brinca Otávio.
— Nossa, como você é engraçadinho, meu irmão. Talvez hoje não seja o fim dos tempos, mas vou fazer o possível para que o fim do capitalismo esteja cada dia mais próximo. — retruca Clara.
— Você e essas suas ideias tortas, minha filha. Já te falei que isso ainda vai acabar mal. — diz Helena em tom de repreensão.
— Mãe, é um risco que eu aceito correr, não posso deixar as coisas como estão. Tenho que tentar mudar.
— Você que sabe, eu não digo mais nada. Só me preocupo com você.
— Sou bem grandinha já, mãe. Sei me defender muito bem sozinha. Agora deixe-me comer por que estou atrasada, preciso ir logo.
Após o almoço, Clara pega sua clássica mochilinha rosa, com panfletos e outras coisinhas, e vai ao encontro de seu namorado, o André, idealista como Clara. Helena não aceita muito bem o romance deles, mas, com o gênio que sua filha tem, acaba deixando quieto para evitar mais confusões.
— Meu amor! Que bom te ver. Sabe que vai ter a festa da Marcela amanhã, né? É as 19h. Vamos? — pergunta Clara.
— Estava sabendo sim, princesa. Só tenho que resolver uns assuntos do trabalho com meu pai. Amanhã quando terminar passo aqui e te busco.
— Ótimo. Vamos lá no Seu Lauro?
— Vamos!
Clara monta na bicicleta de André e juntos os dois partem ao encontro do bar de Seu Lauro. Chegando lá, ela cumprimenta a todos e começa a conversar com seus fiéis apoiadores. José Ferreira, um pescador local, obcecado por Clara em segredo, vem cumprimentar a jovem:
— Ora se não é a mais bela mulher dessa cidade, Clara Barros de Albuquerque. Prazer em vê-la novamente. — diz José.
— Obrigada pelos elogios, José. É um prazer vê-lo também. — responde Clara, dando um passo pra trás, intimidada pela energia ruim que emanava daquele homem.
Minutos depois, Clara se prepara para dizer seu discurso. Assim que começou a falar foi interrompida pelo Dr. Luiz, importante fazendeiro, o seu principal oponente.
— Vai fazer de novo esse discursinho, menina? Não cansa de passar vergonha se humilhando todo dia por umas migalhas de atenção de meia dúzia de pinguços? E ainda por cima vem com essa de sociedade igualitária. Coisa de tolo, como você. — provoca Luiz.
Clara suspira, chateada por estar vendo seus esforços para convencer indo por água abaixo. Mas não se deixa abalar e responde:
— Enquanto o senhor for esse encostado que vive da herança do pai, explora empregados, que impõe sua vontade aos outros, eu não acharei seus comentários dignos. Melhore antes de vir falar merda no meu ouvido.
— Minha paciência pra pessoas como você é curta, Clara. Espero que tenha culhão para enfrentar as consequências de seus atos. Se fosse você, me preparava.
André, ali no local, responde ao doutor, que já está quase saindo:
— O senhor não pode ameaçar ela e simplesmente sair assim, como se não tivesse feito nada. Isso só mostra o quão covarde é, doutorzinho de araque.
O Dr. sequer ouviu o que o rapaz disse, saiu antes. André abraçou Clara, e a confortou.
— Ele não vai poder fazer nada contra você, meu amor, eu não vou deixar. — afirma André.
— Obrigado amor. Com você me sinto protegida. — responde Clara.
Clara chegou a sentir um arrepio na espinha com a fala do Dr. Luiz. Viu ele indo embora e continuou seu discurso, mas com uma sensação muito ruim no peito.
No mais tardar da noite, Clara volta pra casa e já sobe direto para o seu quarto, toma um banho, e logo depois vai para a cama, quer descansar pois seu dia foi cheio.
Pela madrugada, o silêncio na mansão da família Barros de Albuquerque é interrompido por um grito de dor de Helena. Clara acorda no mesmo instante e vai em direção à mãe para ver como ela está. Lá, Clara vê Helena sentada na cama em posição fetal e completamente assustada. Ela chega mais perto para perguntar à mãe o que houve:
— Mãe, pelo amor de Deus, o que aconteceu? — Clara indaga preocupada.
— Eu sonhei com você... — Helena desaba aos prantos antes de dizer.
— Sonhou o quê, mãe? Me responde!
— Você... Você estava morta, minha filha. Morta na minha frente!
A expressão facial de Clara vai mudando rapidamente após escutar tudo. Começou a chorar e abraçou forte a mãe.
— Não quero que você vá à festa da Marcela, Clara. Não tenho um bom pressentimento. Por favor, meu amor, não vá. — pede Helena com a voz embargada.
— Oh, mãe, entendo sua preocupação. Mas foi só um sonho. Não vai acontecer nada, fique tranquila.
No mesmo momento, Dr. Luiz está em sua casa, conversando com José:
— Entendeu o que eu disse? Ou vou precisar te dar outra liçãozinha daquela? — diz Luiz, autoritário.
— Mas, doutor, isso não está certo, não quero... — José é interrompido por Luiz.
— Nem mais uma palavra, seu incompetente. Se não fizer o que combinamos, acabou pra você. De vez.
A imagem vai perdendo a cor aos poucos. Um anjo esvoaçante passa pela tela e após a sua passagem, tudo se escurece.
TRILHA SONORA DISPONÍVEL!
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